Adelina Cambusano Medeiros
"Nina"

Trabalhadora desde a infância, confeiteira de mão cheia, mulher vaidosa e que, por reviravolta do destino, ficou viúva muito jovem.
Adelina Cambusano é a segunda filha do casal João e Joanna e nasceu em Jacareí no dia 15 de novembro de 1921, no ano em que a família se estabelecera na cidade.
Quando pequena, frequentou o grupo escolar, como era chamado o modelo de ensino na época. Mas ela cresceu numa época em que escola não era prioridade, e as dificuldades financeiras obrigavam as mulheres a trabalhar dobrado: além das tarefas domésticas, mantinham emprego em fábricas, muitas vezes, em condições distantes das ideais.
“Eu entrava e saía da escola, fazia mais serviço de casa – lavava e cozinhava desde os seis anos. Tinha um caixote perto do fogão, eu subia ali para fazer os serviços. Aos dez, 12 anos, eu era chamada para brincar com a Lurdinha Bueno, e na verdade fazia o trabalho na casa dela sem receber nada. Só não passava roupa, isso mamãe fazia”, contou Nina, em entrevista feita em 2006.

A infância simples foi numa pequena casa na rua Pompílio Mercadante, nº 68, em que a família morava. Numa Jacareí pacata, a porta da rua era travada com uma cadeira, que servia mais para escorá-la contra o vento do que para trancá-la.
Ainda adolescente, Nina começou a trabalhar na Fábrica de Meias Visetti, especializada em meias finas femininas. Ali, foi colega da senhora Brasília Idalgo Vitoriano, mãe daquela que viria a ser sua concunhada em 1957, Benedicta Cambusano, esposa do Hélio.

Tinha 23 anos quando seu irmão Roberto voltou da Itália, consagrado como combatente de Guerra, em 1945.
“Quando o Roberto foi para a Guerra, mamãe juntava todos os filhos para rezar. Quando ele voltou, eu estava em Caraguá, porque não conhecia lá, ainda. Mas, em casa, dormíamos todos juntos, e não lembro de o Roberto ter pesadelos. Dos irmãos, ele era o mais bravo e autoritário.”

Na adolescência teve alguns namorados, e um deles, José Medeiros, se tornaria seu marido.
“Namorei o Manoel Urbano quatro anos e meio, mas ele me enganou: um dia foi para São José com os colegas e me deixou esperando. Depois namorei o Sérgio Matana, mas com certeza o Manoel tinha sido minha grande paixão.
Então, a dona Leonor Máximo ganhou entradas para o circo, e eu fui junto. Foi lá que conheci o Zé. Ele ficou me esperando na esquina dos Quatro Cantos para a gente conversar...”
A conversa funcionou. Aos 29 anos de idade, Nina se casou com Zé Medeiros e passou a adotar o sobrenome dele. O matrimônio aconteceu em 7 de setembro de 1950 na cidade de Aparecida, como era costume na época.
José Medeiros era filho de Cyriaco Medeiros e Alice Medeiros. Homem culto, sempre com um livro em mãos, era topógrafo e trabalhou em projetos grandiosos, como o bairro Jardim Santa Maria e a rodovia Presidente Dutra.
“Eu casei em Aparecida e estava indo para Campos do Jordão, para a lua de mel, quando o carro capotou! Fomos resgatados pelo motorista do ônibus Pássaro Marron e dali seguimos viagem. O Zé quebrou a clavícula, e eu machuquei a mão.
Quando eu casei, fizemos uma compra tão grande para mamãe, que dava para dar almoço para todos os parentes!”

Dois anos após o casamento, Nina engravidou daquele que seria o segundo neto do casal Joanna e João, e em 19 de março de 1953 nasceu José Cyriaco Medeiros, o Zezinho.
“Quando o Zezinho nasceu, O Zé fez uma grande caixa de goiabada e distribuiu para toda a família. Depois, foi lá para o hospital, me ver.”
Ironicamente, o destino a colocou no quarto de maternidade ao lado da esposa de seu antigo namorado, o Manoel, que também dera à luz uma criança naqueles dias. E não foi só isso: com a esposa de Manoel doente, Nina chegou a amamentar a criança. Um ano depois, em 25 de maio de 1954, nasceu o segundo filho, Carlos Roberto Medeiros, o Beto.
“O parto mais difícil foi o do Beto. O Zé estava com dor ciática, e eu comecei a ter dor. O Beto nasceu em casa.”

O casal, que morava em uma casa na rua Pompílio Mercadante – a rua do Carmo, como chamavam -, teve que se mudar para outra casa, na rua João Américo. As boas condições de trabalho do marido permitiam que Nina ficasse cuidando dos filhos, sem que tivesse que trabalhar fora.
Passados alguns anos, ela teria que enfrentar o triste luto pela morte de seu pai, às vésperas do Ano Novo, em 29 de dezembro de 1958. João Baptista desenvolvera uma doença no pulmão, e as crises de tosse e de falta de ar se agravaram, até que ele não aguentou mais.
“Eu adorava papai, ele era minha paixão. Ele ia para São José dos Campos com o Amaral (sócio dele, no Estúdio) comprar material para fazer fotografia. Ele carregava uma máquina Kodak e tirava fotografia para os outros. Às vezes eu ajudava a cortar as fotografias.
Ele não jogava futebol, mas ia assistir [aos jogos] somente para torcer para o Elvira contra o Ponte Preta.
Foi então que ele foi para São Paulo, e o médico disse que ele estava com problemas no pulmão. Ele voltou chorando e sofreu muito. Naquela época, quando ele estava mal, eu corria com o Medeiros.”
A confortável condição financeira que Nina alcançou após o casamento permitiu a conquista de bens que, naquela época, não eram tão acessíveis, como um telefone e um Fusca. Ela chegou a ser uma das poucas mulheres, então, habilitadas para dirigir. Tudo isso ajudou, de certa forma, a socorrer o amado pai nos momentos graves da doença.
A vida seguiu seu curso, e em 30 de novembro de 1962 nasceu a filha Tânia Mara. Com a casa cheia de crianças, era inevitável a reunião de primos para as festas, férias e fins de semanas, e dali ficaram as melhores lembranças que se guardam da Nina.
Ela preparava deliciosos bolos para as festas de seus filhos, ou dos sobrinhos, ou de pessoas que a procuravam para encomendas – de onde acabava ganhando algum dinheiro. Fazia os doces, os salgados, a decoração.
Fazia bolo colchão, que era largo e comprido e geralmente usado em grandes festas de casamento. Decorava os bolos com espelho, por cima, e alguns patinhos, como se fossem lagos tridimensionais. Todos adoravam a culinária da Nina. Na véspera de Natal elaborava uma sopa de capeletti, e com muita técnica sovava a massa daquela iguaria.

Sua casa também era frequentada pelos jogadores do Elvira. Presidente do Clube por 11 anos, Zé Medeiros costumava receber os atletas em casa, mesmo que alguns fossem só para pedir dinheiro emprestado. Mas Zé não se importava: ele amava o Vermelhinho.
“Ele era louco pelo Elvira. Ele foi presidente por 11 anos e poderia ter sido prefeito da cidade, se quisesse, de tanto as pessoas pedirem para ele. Mas ele não aceitou. Na inauguração do náutico, eu estava lá e assinei o contrato ao lado dele. Ele foi um dos sócios fundadores do Elvira e dava muito dinheiro aos jogadores. Às vezes, chegava a tirar do bolso para pagar funcionários e jogadores. Ele ajudou a construir o clube, o náutico, o campo... Deu tanto dinheiro para construir o campo que dava para a família ser rica!”
Nina adorava ir com o marido comprar caixas de uva direto do produtor, na rodovia Dom Pedro. Eles tinham casa em Caraguá e, muitas vezes, juntavam alguns sobrinhos e cunhados para passear no litoral. Ela agradava as crianças com sorvete, preparava café com leite pela manhã e uma suculenta macarronada na volta da praia.
Mas, de forma triste, após 22 anos de casamento, Nina ficaria viúva. Vitimado por um câncer na bexiga, José Medeiros morreria em 15 de novembro de 1972, um dia de eleições municipais e uma ocasião que seria especial, pois ela festejaria os 51 anos de idade.
A família, reunida, não comemorou aquela festa, mas o luto por um homem que estava convalescendo havia algum tempo.
“O Zé teve câncer de bexiga e foi operar em São Paulo. Mas ele teve hemorragia e morreu em casa, na João Américo. Eu e a Maria, irmã dele, fomos votar para prefeito, para o Toninho Nunes. Quando voltamos, ele estava morto. Na época, o Zezinho tinha 19 anos, o Beto 18, e a Tânia dez. Naquele mesmo ano mudei para a casa do morro.”
Em homenagem a José Medeiros, Jacareí denominou um salão do Espaço EducaMais São João com seu nome, assim como uma rua do Jardim Pereira do Amparo.
Com o aluguel de quatro imóveis que possuía, incluindo a casa de Caraguá, e a pensão deixada pelo marido, Nina se viu na missão de criar os três filhos, mas nem mesmo o luto tirou sua vitalidade. Perseverou aquela mulher de personalidade forte e vaidosa.
Talvez esses dois traços tenham afastado Nina de sua mãe, Joanna. Não se sabe ao certo se o afastamento ocorreu porque essas características eram iguais, e as duas se chocavam, quando juntas, ou se eram conflitantes, a ponto de Nina passar na frente da casa da mãe e não entrar para cumprimentá-la.
“Mamãe era fogo: implicava muito comigo.”
Talvez o destino simplesmente tenha levado Nina a se dedicar aos filhos, sempre zelosa e atenta ao cuidado que demandavam. De qualquer forma, como em toda tradicional casa de italianos, sempre havia almoços de domingo com casa cheia, e Nina acompanha Joanna na preparação e organização daqueles momentos festivos, e não foram poucos.

Como haveria de ser, Joanna morreu na década seguinte, em 23 de novembro de 1987, e a paz entre as duas ficou simbolizada em um gesto.
“Depois que mamãe foi internada, ele teve que ficar na casa de cada um dos filhos, foi um revezamento.
No dia em que ela teve o derrame, a Bene me ligou. Mamãe morreu perto de mim, eu estava segurando a mão dela. Enquanto isso a Bene tentava chamar o doutor Armando. Todos fomos a pé para o hospital, mas eu não quis ir porque sabia que não ia adiantar nada.”

Com a morte de Joanna, acabaram-se as festas na casa onde funcionava o Estúdio Cambusano. Nina deixou de frequentar aquela casa, de muitas lembranças. Quando o Estúdio foi fechado, em 1993, ela permaneceu indiferente, pois as brigas entre os sobrinhos, que aconteciam naquele ambiente, a deixavam chateada.
Vida longa teve a Nina. Viu o casamento dos filhos, conheceu os sete netos, viajou pelo mundo. Mas, aos 88 anos, quis o destino juntar Nina a seu pai, ao marido e à mãe, e foi assim que em 9 de março de 2010 ela nos deixou.
