Walfredo Cambuzano "Fredo"

De uma infância simples a um quase jogador profissional de futebol, de um temperamento que variava do carinhoso ao zangado, Walfredo Cambuzano – com “z” – foi um homem sincero e amigo, que cultivou grandes paixões na vida, como o futebol, os pássaros e a família.
Walfredo, o Fredo, nasceu gêmeo de Waldemir, o Mir, como ficaram conhecidos. Os dois foram registrados com a letra “z” no Cambuzano e, talvez, não tenha sido à toa que eles tenham se tornado os melhores jogadores de bola da família.
Os gêmeos foram os últimos filhos do casal João Cambusano (então com 40 anos) e Joanna (com 39) e nasceram num domingo de primavera, 4 de outubro de 1936, na casa em que a família morava na rua Pompílio Mercadante, 68.
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Infância difícil eles tiveram. O pai trabalhava com fotografia, e a mãe, agora com sete filhos, cuidava da casa, de forma que todos tinham que ajudar nos afazeres.
Pequena e simples, a casa tinha a porta principal fechada por uma folha de madeira, escorada por uma cadeira. Como não havia quarto, a noite as crianças jogavam o colchão no chão e dormiam juntas.
Os gêmeos usavam vestimentas dos irmãos mais velhos, que eram reaproveitadas pela mãe. Assim, quando as roupas chegavam neles, já estavam cheias de remendos.
Na época, as ruas João Américo e Tiradentes não tinham tantos imóveis quanto atualmente, de forma que o quintal da casa da família se emendasse aos terrenos baldios vizinhos. Era comum Joanna ir até ali e chamar os filhos em voz alta, e ai deles se não viessem para casa! Lá estava ela com a vara de marmelo na mão!
Fredo se lembrava da mãe acordando as crianças no domingo de manhã para ir à missa. No entanto, algumas vezes os irmãos ficavam parados na porta da Igreja Bonsucesso, conversando, sem assistir ao sermão.
Em 1948, os gêmeos, então com 12 anos, passaram a vender verduras para ajudar no sustento da casa. Os irmãos mais velhos – Roberto, Nina, Du, Hélio e Nyzio – também já trabalham.

A escola não era tão prioritária na vida deles, tanto que Fredo estudou até a 1ª série do primário, equivalente, hoje, ao 2º ano do Ensino Fundamental.
Só não faltavam tempo para brincar de bola com os amigos e para caçar canário. Fredo ia até o bairro Cassununga, onde ia buscar o pássaro perto da linha do trem. Tinha também o costume de caçar rãs para comer, algo bem comum na época.
“Meu pai era gente boa. A gente perturbava ele por causa de dinheiro. Ele ficava trabalhando, e a gente, moleque, dizia: ‘pai, dá um dinheiro’. Ele respondia: ‘eu não tenho’, mas metia a mão no bolso e jogava uma moedinha de 50 centavos. Mas era coisa de moleque!
Papai nunca foi de bater em ninguém. Mas quando ele ficava nervoso, sai de perto, porque o que ele botava na mão tacava na gente. Mas, coitado, não falava nada, minha mãe que dava em cima de tudo.
Ela era uma mulher que queria ajudar todo mundo. Vinha gente da roça fazer remédio, e ela ajudava. Em casa, a porta ficava aberta, qualquer um entrava. Nós íamos almoçar, tinha a cozinha, o fogão de lenha num canto, a geladeira e uma janela de abrir do lado, e a mesa para comer. O dia inteiro dava gente da roça ali, entrando. A gente ia almoçar, entrava gente, ficava na janela, e ela oferecia almoço. Quando não aceitavam, ficavam olhando a gente almoçar.
Meu pai era mais paradão, gostava de tomar umas e outras, ficava no bar, e a gente tinha que ir lá e ficar no pé dele, até ele ir embora. Gostava de tomar umas caipirinhas no Marcão, com os colegas dele, ou no bar do Brito. Ele bebia, mas não era de ficar caído e nunca foi de levantar a mão em casa. Não era de ficar de fogo”, contou Fredo, na entrevista feita em outubro de 2005.

Adolescente, Fredo trabalhou na Fogos Caramuru e, depois, na Fábrica de Tintas Castelo.
“Na Caramuru, eu aprontei e fui mandado embora. Tinha uma encarregada lá que era chata que nem sei o quê, nós ficamos bagunçando e fomos mandados embora. Eu ganhava 200 e poucos por mês, era uma mixaria. No final do mês, tinha que dar o dinheiro na mão da mãe, ela pegava tudo para ajudar em casa, porque era meu pai sozinho para cuidar de sete.
Minha mãe, vou te contar. Não era mole com ela não, as coisas tinham que ser do jeito que ela queria. Ela ficava em cima, colocou a gente no ginásio e fez a gente estudar. Eu saí, porque não queria mais, disse: ‘chega, não vou mais, acabou’. Mas ela não dava moleza. Ninguém quis estudar, dava um duro o dia inteiro! O Nyzio, depois de velho, estudou, o Mir também, mas nunca exerceram a profissão.”
Do trabalho no Estúdio, Fredo se recorda que até começou a aprender, mas não quis continuar. Dionyzio, irmão mais velho, que trabalhava como alfaiate, começou a ensinar algumas habilidades para Fredo, de forma que o caçula começasse a aprender a costurar, a fazer calça e paletó.
“Eu trabalhei com ele um tempão, fazia calça, mas chegava no fim da semana, e aí você já viu, ele não tinha dinheiro para pagar a gente, e era aquela brigaiada [risos].”
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Mesmo que tivesse que trabalhar para ajudar nas contas, Fredo gostava mesmo era de jogar bola. Ele começou a treinar no campo do Guarany, onde havia um técnico para ensinar as crianças. Dali, cresceu no esporte: entrou no juvenil do Elvira, foi para o São José – onde foi campeão da terceira divisão – e chegou ao Noroeste, de Bauru, onde iria decolar a carreira profissional. No entanto, vários fatores fizeram com que ele voltasse para Jacareí, entre eles, o valor do passe e, principalmente, a família.
“Comecei a jogar no campo do Guarany, e o técnico ensinou a gente a chutar a bola. Comecei lá, quando moleque. Depois tinha um time onde jogávamos eu, o Mir, a turma toda de colega. Dali fui para o juvenil do Elvira e fui pra frente, joguei no São José, fui para Bauru, mas não quis ficar por lá, porque sair daqui, largar tudo, de repente não dá certo, teria que voltar, arrumar tudo outra vez...
Tive em Lorena, treinando também, mas foi em São José que segui carreira, fui campeão da terceira divisão, chegamos na segunda divisão, rescindiram meu contrato, e fui embora. Depois eu parei aqui, disputei um ano com o timinho da Fiel, fomos campeão, mas não tinha mais jogo, só briga no campo. Futebol mesmo, nada... Eu parei de vez, disse chega! Não queria jogar mais bola.
O José Medeiros, meu cunhado, era presidente do Elvira, e joguei com ele. O que acabou com o time foram esses jogadores de fora. O cara jogava não sei quantos anos, era veterano, vinha para cá, assinava contrato, e não jogava bola. Arrumava emprego e depois largava o time. Eles contrataram uma vez o Paulinho, que era ponta do Fluminense naquele tempo, já era famoso. Ele assinou o contrato só para pegar o dinheiro. Ele foi embora, não jogou nada. Jogador daqui não dá valor para jogador daqui.
Eu vejo essa turma jogar hoje na televisão, eu entraria em qualquer time que tem aí, se tivesse jogando. Se eu fosse jogador hoje, ia ganhar muito dinheiro com futebol.
Teve um ano que eu ia parar de jogar, porque eles [o Elvira] não pagavam nada, mas o Medeiros disse para eu ficar. O jogador daqui não ganhava nada. No meu tempo, o jogador da defesa ganhava 500 cruzeiros, e o jogador da linha, três mil. O jogador da linha ficava paradão, e o da defesa, aqui, se arrebentando para ganhar 500 cruzeiros.
Uma vez eu fui jogar em Campinas contra o Ponte Preta. Nós perdemos não sei de quanto... Tinha um lateral direito nosso, o Emiliano, que jogava ao meu lado. Tinha um jogador do São Paulo no Ponte Preta, um tal Augusto, ele veio de frente comigo e, quando ele passou por mim, eu parei e ele marcou o gol. O Emiliano achou ruim comigo, que não corri nada, e a linha toda paradinha lá na frente. Eu disse: ‘ah, não! Eu me arrebentando aqui, e a linha toda parada lá na frente. De chupim, não!’.
Eu cheguei a marcar jogadores famosos. Naquele tempo tinha o Cabecinha de Ouro, estava no fim da carreira, jogava no Mogi, e eu marquei ele. O Leão começou comigo, quando estava em São José, jogava futebol de salão. Quando acabou o São José ele foi para o Comercial e depois para o Palmeiras, onde fez o nome dele e foi para a Seleção Brasileira.
Naquele tempo em que eu jogava não dava dinheiro como hoje. Mas eu vejo esses jogadores hoje, puxa vida, se fosse no meu tempo... Eu era melhor que eles, jogava bem melhor.”
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Quando começou a jogar, Fredo era ponta esquerda. Depois foi para o meio de campo, mas, como não subia muito na bola, foi colocado para jogar atrás, como zagueiro. Mais tarde, teve que substituir um jogador, que era “beque” central, posição que jogou até encerrar a carreira.
Como entendia do esporte, era o maior crítico dos irmãos: achava que Hélio jogava bem, apesar de prender muito a bola, e que o Mir era realmente bom. Agora, o Du merecia o apelido de Mingau, porque nunca dava em nada, apesar de esforçado.
Ao contrário dos irmãos corintianos, Fredo e Nyzio torciam para o São Paulo e chegaram a ir para a capital assistir a um jogo do time. O pai, que não tinha muito apego ao esporte, se limitava a ir ver os jogos dos filhos.
A saída de José Medeiros da presidência do Elvira acarretou o fim do futebol do Clube. Fredo se recordava com muita tristeza daquela fase, pois o cunhado era louco por futebol, e os irmãos Cambusano, que chegaram a compor boa parte do time – conquistando o título de campeão da 3ª divisão em 1956 – perderam aquilo que era como uma segunda casa.
A edição especial de “O Vermelhinho”, jornal publicado pelo Elvira em julho de 1990, trouxe um pouco dessas recordações. Sob o título “Uma família de craques”, a reportagem escreveu:
“Encontrar um craque numa família não é difícil, mas seis, só mesmo entre os Cambusanos. São eles: Nyzio, Mir, Du, Fredo, Hélio e Roberto, que é o mais velho e entrou para o Elvira por volta de 1935, foi treinador e diz que ‘até hoje não deixo de ser elvirista’. Apesar de ser o mais velho dos irmãos, Roberto chegou a jogar com os irmãos. Para ele, ‘ser elvirista é um ideal e uma paixão’, que leva durante muitos anos, e confessa que chegou a perder ‘emprego por causa do Elvira’.
Segundo Roberto, se seu irmão Fredo estivesse jogando futebol depois que saiu do Elvira, poderia ter chegado à Seleção Brasileira. Fredo parece estar de acordo com o irmão e ainda hoje guarda boas lembranças do futebol no Elvira. Ele pode ser considerado um dos maiores craques que o Clube já teve. Passou da 3ª divisão em 1956 para a 2ª. Em 1959, encontrava-se na 1ª divisão da Federação Paulista de Futebol. Fredo diz que ‘antigamente a gente jogava por jogar’ e era a grande união entre os jogadores.
Começou no futebol aos 14 anos de idade. Foi para o Noroeste e ficou apenas um jogo, jogou ao lado de grandes craques em vários outros times pelos quais passou. Do tempo no Elvira, Fredo lembra ‘das viagens que a gente fazia e a farra com os colegas’. Para não deixar esquecido ou para comprovar a quem duvide, Fredo guarda fotos e jornais da época, inclusive a Gazeta Esportiva de 31 de janeiro de 1961, que diz em manchete na primeira página: ‘Noroeste considera caro o zagueiro Fredo’. Boas lembranças devem ser preservadas. Foi campeão na 2ª divisão pelo E. C. São José ao lado de Leão, Sérgio Valentim, Ferreti, Zé Luiz e Diede Lameiro, técnico.”
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A notícia publicada no jornal “Gazeta Esportiva”, que foi citada pelo “Vermelhinho”, tratou do valor do passe do jogador. Note que o texto se refere a ele como “Alfredo”:
“Noroeste considera caro o zagueiro Alfredo
No amistoso frente à Ferroviária, de Araraquara, o 11 noroestino se apresentou com Alfredo, vindo de Jacareí, em sua zaga central. Seu desempenho, com algumas falhas, decorrentes, naturalmente, das influências da desambientação, foi considerado pela torcida como apenas discreto com tendências para melhorar no futuro.
Entretanto, ao que parece, o Noroeste começa a se desinteressar de seu engajamento, pois chegou ao seu conhecimento que o preço do atestado liberatório do jogador é da ordem de 500 mil cruzeiros, importância que o alvi-rubro achou elevada.
Nessas condições, Alfredo retornou a Jacareí, onde ficará aguardando o resultado das conversações entre os dirigentes do Noroeste com as do seu clube.” (Gazeta Esportiva, 31 jan. 1961).

Para traçar uma comparação, foi pesquisado em jornais de época o passe de alguns jogadores, e há notícias de janeiro de 1961 sobre a negociação de Luís Ferreira Muniz “Charuto”, do Fortaleza, cujo passe era de 10 mil cruzeiros, e do jogador Nadir, do Floriano, de Novo Hamburgo, que o Grêmio tentava comprar por 50 mil cruzeiros.
De fato, 500 mil cruzeiros, para a época, era um valor superior a esses dois exemplos e talvez tenha sido um dos motivos pela não contratação de Fredo, mas, com certeza, não foi o único.
Em dezembro de 1960, ele havia se casado com Joana Augusta Fernandes, que passou a se chamar Cambuzano, também com “z”. Joana era filha do negociante de gado Antônio Honório Fernandes e de Rita de Cássia Fernandes. O casamento era recente, e a mudança de cidade implicaria planos diferentes daqueles que tinham sido feitos durante o namoro.
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Namoro, aliás, bem discreto. Joana não podia frequentar a casa dele o tempo todo, pois não era respeitoso, mas gostava dos almoços de família, quando todos se reuniam em uma grande mesa improvisada no quintal para comer e beber.
Ela se lembrava, também, do velho João Baptista – pouca lembrança, na verdade, uma vez que ele morreu em 1958, vítima de um câncer pulmonar, e o namoro dela com Fredo tinha começado em 1956.
Joana foi a única namorada “firme” do Fredo. Assim que casaram, eles foram morar em uma casa na rua João Teodoro, na Vila Denise, que era enfeitada por muitos antúrios. Ali, Fredo tinha uma pequena loja.
“Naquele tempo, ele jogava bola e gastava todo o dinheiro em jogo. Aí eu falei: ‘vamos abrir uma poupança pra gente comprar uma casa’, porque a gente namorava há quatro anos. Eu contando que o dinheiro estava lá, para a gente casar, e ele tinha perdido tudo no jogo. Aí eu disse para ele que o dinheiro era para casar, e de um jeito ou de outro a gente ia se casar. Ou então ele ia falar com minha mãe e explicar para ela que perdeu o dinheiro no jogo – minha mãe tinha ódio de jogo, e eu também tenho”, se recorda Joana.
“Se eu ganhasse três mil no Elvira, numa noite perdia os três mil, jogando. A gente jogava no Elvira. Uma vez a gente estava lá, eu estava perdendo muito. Pedi uma ficha e disse que depois, quando recebesse o salário, pagaria. Perdi tudo, o pagamento que recebi do Elvira, deixei tudo lá”, continua Fredo.
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Desta forma, a decisão de não continuar no Noroeste tinha dois lados: do Clube, que considerou caro o passe, e do jogador, que começava a criar raízes familiares.
Foi assim que, em 2 de setembro de 1961, nasceu Rosana Cambuzano, a primeira dos quatro filhos que o casal teria. Depois vieram Rogério, em 26 de setembro de 1963, Regiane, em 28 de fevereiro de 1968, e Renata, em 23 de março de 1971.
Fredo passou a se dedicar mais à profissão de alfaiate, tendo, assim, a garantia para o sustento da casa, mas sem deixar de lado o futebol. Ao longo das décadas de 1970 e 1980, teve várias participações em campeonatos, passando à categoria de veterano e a se dedicar ao futsal. Eles formaram, inclusive, o time “Irmãos Cambusano”, ora escrito com “s”, ora com “z”.
Os jornais registram esse período. Em 1973 foram noticiadas partidas dos Irmãos Cambusano contra o Jacar Clube e o Liberdade; os irmãos perderam o primeiro jogo e venceram o segundo. Em maio daquele ano, os irmãos buscaram reforço no basquete para o time:
“São José vence Jacareí
E. C. São José venceu a seleção de Jacareí por 2 a 0 no estádio Antônio Jordão Mercadante. Completamente lotado, o estádio observou a vitória do São José, time da 1ª divisão de jogadores profissionais, contra o Jacareí.
Na preliminar, jogaram as equipes dos Irmãos Cambusano e a do Sport Boys. Os Cambusano foram buscar no basquete os jogadores Joia e Ubiratan, que reforçaram a equipe e despertaram a curiosidade e o interesse do público. Ubiratan marcou dois tentos para o Cambusano, sendo que Beto assinalou o tento na equipe do Sport Boys.
O Cambusano alinhou com Joia, Fredo, Cobra, Nyzio e Sapinho; Álvaro, Babá, Mir, Ubiratan, Hélio e Du.
Não foi fornecida a escalação do Sport Boys.” (Diário de Jacareí, ano V, nº 473, 22 maio 1973).
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A empolgação com o futebol tomou tamanha força na família que Mir, habitual escritor e articulista, publicou artigo pedindo a volta das atividades futebolísticas do Elvira. De certa forma, o apelo funcionou: em setembro de 1973, os veteranos do Clube voltaram à cena.
“Veteranos do E. C. Elvira versus A. A. Caçapava
O plantel de veteranos do E. C. Elvira continua se exibindo por aí, graças aos esforços de alguns abnegados do esporte que tudo dão de si para que os vermelhinhos sempre possam estar em evidência.
Já se cogitou até em disputar o campeonato varzeano da cidade, que está sendo organizado pelo CME com todos esses atletas que marcaram época em Jacareí nos tempos áureos.
Domingo dia 16/9/73 às 9h estarão em ação na cidade de Caçapava se defrontando com A.A. Caçapavense, e no dia 23/9/73 eles retribuirão a visita, que será no Estádio Jordão Mercadante, onde se espera a presença de um grande público.
Ficam convocados os seguintes atletas para festa esportiva: Maurinho, Rubinho, Emiliano, Fredo, Marquinho, Ditinho, Romeu, Marciano, Lima, Hélio, Didi, Du, Onda, Raul, Mir, Robertinho, Nyzio, Zé Ivo, Hugo, Bertulino, Zé Negrinho e Eurico” (O Combate, ano XXIII, nº 1193, 15 set. 1973, p. 4).
O Elvira venceu o Caçapavense, e em comemoração à boa fase houve um almoço de confraternização entre os jogadores no mês seguinte, além de um amistoso, com direito a capa de jornal e fotos nas colunas sociais.
“Confraternização Elvirista
Reunindo os companheiros de jornada esportiva que culminou com vice-campeonato estadual de 1956, e veteranos do E. C. Elvira, através de uma comissão organizadora, fez realizar no último domingo, no Clube Pica-Pau, um almoço de confraternização entre atletas e dirigentes que naquela oportunidade envergavam a jaqueta rubra. Maurinho, Rubinho, Carlinhos, Fico, Emiliano, Walter, Zezinho, Onda, Robertinho, Fredo, Mir, Dino, Formiga, Marciano, Didi, Jaime de Mello, Nyzio, Hélio, além dos convidados especiais, participaram daquela confraternização, cuja foto estampamos, como uma homenagem deste jornal àqueles atletas que naquela época representaram – e muito bem – o esporte jacareiense. Esses mesmos atletas estarão no dia 21/10 participando de um torneio beneficente, cuja renda será revertida para a compra de uma cadeira de rodas para o Sr. João Campos Barbosa. Essa partida será realizada no campo do Ponte Preta, com ingressos custando apenas Cr$ 2,00” (O Combate, ano XXIII, nº 1197, 13/10/1973).
Ainda em boa fase, em 1979 o Elvira venceu o Ponte Preta em uma partida descrita com bastante emoção pelo Diário de Jacareí:
“E.C. Elvira 3 x 1 Ponte Preta F.C., quatro gols e um futebol de primeira, apesar do estado físico e alguns com idade avançada. Houve uma batalha marcante como nos velhos tempos de pontepretanos e elviristas; bom público e as agilidades de dar inveja dor irmãos Cambusano (Mir com 2 gols, Nísio e Fredo)” (Diário de Jacareí, 7 jun. 1979).
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Com a entrada da década de 1980, o futebol começou a ser deixado de lado. Os irmãos, que já alcançavam a casa dos 50 anos, passaram a se encontrar menos no campo e mais nos almoços de domingo, na casa de dona Joanna, e nos carteados durante a noite, geralmente na casa do Du, e esses encontros, às vezes, causavam alguma briga no lar.
Foi nessa época que Fredo e Joana resolveram se mudar para a casa onde permaneceriam até o fim da vida, na rua Orégon, no Jardim Flórida.
“Quando o cunhado meu construiu essa casa, fiz um negócio com ele. Eu vim para cá e aluguei aquele ponto onde estou até hoje”, contou Fredo, se referindo à casa na rua Óregon e ao lugar onde mantinha a alfaiataria na rua Cônego José Bento nº 274.
Enquanto ele se dedicava à alfaiataria no centro, próximo ao Estúdio Cambusano, Joana cuidava dos filhos e fazia, também, alguns trabalhos à máquina. As crianças cresceram, casaram, tiveram filhos, mas guardaram muitas lembranças boas daquela época. Havia as viagens para Sabaúna, para onde iam de trem visitar um tio que ficava os esperando na estação com sua charrete. O fim de semana era na roça, em meio à natureza.
As festas de aniversário e os Natais, com todos reunidos, e um pai Fredo alegre e brincalhão com as crianças –comportamento muito diferente do homem de cara fechada e poucas palavras, como muitas pessoas o enxergavam.
Gostava de criar pássaros e foi sócio do Cubivale (Sociedade dos Criadores de Pássaros do Vale do Paraíba). Participava de torneios nos domingos de manhã, cujos pássaros chegavam a custar mais do que um carro zero. Ia na praça do Jardim das Indústrias e levava seus passarinhos curió, sabiá e picharro para o torneio.
Também aos finais de semana, ia ao bairro Cassununga para conversar e admirar pássaros na companhia do amigo Toninho Toloza, dono de um tradicional bar naquela rua, ou então na casa do cunhado Luiz Fernandes. O gosto era tanto que, em casa, tinha um toca-fitas no qual reproduzia o canto dos pássaros durante o dia, para treinamento de suas aves.
Depois desses encontros, ao chegar em casa, adorava beliscar a comida que estava quase pronta para ir à mesa, uma vez que não era dedicado a culinária quanto foram seus irmãos, notadamente o Roberto e o Nyzio.
Ensinou os filhos a dar valor a tudo o que tinham, a torcer para o São Paulo e a frequentar a missa. Contava a eles histórias do futebol, como o dia em que perdeu a aliança de casamento em Rio Claro (SP). Passados 15 dias retornou para jogar na cidade e começou a andar no campo à procura da aliança, e grande foi seu espanto ao encontrá-la perto de uma árvore no canto do campo.
Tinha o hábito de jogar na loteria e no bicho e ganhou por mais de uma vez. O valor não foi alto, mas o suficiente para jogar mais, e até mesmo comprou um Fusca com o prêmio.
Das lembranças das crianças ficou um pai carinhoso e brincalhão, que adorava comprar doces, tomar café com pão e mortadela e assistir ao Datena e Ratinho, seus programas preferidos.
Quanto aos netos, foram muitos os momentos de carinho e afeto, seja levando um ou outro para a escola em seu Fusca amarelo – o que geralmente era acompanhado por um beijo no rosto e um trocado para o lanche – ou seja na alfaiataria, onde fazia alguns “rolos” com relógios, toca-fitas e passarinhos e compartilhava lembranças e risadas com os amigos.

Assim como os irmãos e a mãe, era muito lembrado nas edições especiais de jornais e revistas, com relação às famílias tradicionais, à fotografia e às glórias do futebol, como aconteceu na publicação do “Jacareiense” de julho de 1980, que noticiou o 60º aniversário do Elvira, e no “Vermelhinho” do mês seguinte, que publicou a foto da equipe vitoriosa de 1956.
Em 1987, um fato iria marcar o início do processo que resultaria no fim do Estúdio Cambusano: em 23 de novembro morreria a matriarca Joanna, deixando aos filhos um sentimento profundo de vazio. Assim, não havia mais, para Fredo, vontade de frequentar aquela casa onde também funcionava o Estúdio, e era inevitável conversar sobre a divisão de bens.
A situação se perdurou durante os seis anos seguintes à morte de Joanna. Neste período, Mir e Du, que tocavam o Estúdio, tiveram tempo para se aposentar, encerrar as atividades e vender o imóvel.
“A gente tinha que vender a casa, porque a gente precisava de dinheiro. Com a tradição que o Estúdio tinha, deveria ter continuado, mas começaram a surgir máquinas mais modernas, e eles ficaram parados”, conta Fredo.
O Estúdio encerrou as atividades em 1993, e alguns artigos foram publicados na imprensa a respeito do fim de um comércio tão tradicional na cidade e a demolição daquela casa.
Com o tempo, Fredo também se aposentou, assim como Joana, mas nunca deixou de se dedicar aos pássaros, aos filhos e aos netos.
“A melhor lembrança que tenho da família é que sempre deu tudo muito certo. Se não tivesse dado tudo certo, não estaríamos juntos”, disse Fredo, em demonstração ao carinho que sentia pela esposa e pela família.
Carinho tinha, também, por suas histórias, pelo seu passado. Ele cultivava o sentimento romântico de uma Jacareí antiga, da época em que não havia muitos crimes, e as pessoas poderiam andar sossegadas nas ruas. Uma época, como disse Fredo, que havia respeito entre as pessoas e que as crianças que aprontavam não escapavam de uma surra da mãe.
Muito humilde esse homem. Certa vez, o São José dos Campos homenageou seus jogadores históricos com medalha, mas Fredo não quis ir ao evento.
Não fosse o maior vício, talvez ainda hoje estivesse contando histórias. Gostava muito de fumar, o que prejudicou sobremaneira seus pulmões. Em casa, já aos 76 anos, respirava com um pouco de dificuldade, às vezes dependendo de cilindro de oxigênio. Mesmo assim, ainda pedia à mulher e aos filhos um cigarrinho.
Fredo tinha características que o tornaram o filho mais parecido com o pai, João Baptista – homem sério, de poucas palavras, que também sofreu problemas pulmonares em decorrência do cigarro.
Foi numa sexta-feira, 31 de maio de 2013, que Fredo nos deixou – Joana, seus quatro filhos, 11 netos e nove bisnetos. Morreu em casa, na companhia da família, como se estivesse num sono profundo. Joana se juntou a ele dois anos mais tarde, em 7 de abril de 2015, vítima de embolia pulmonar.
Alguns de seus maiores tesouros estão guardados com a família. A chuteira preta da Adidas, com o apoio do calcanhar rasgado e a terra ainda grudada nas travas, traz a lembrança do jogador.
Ferramentas de trabalho, como a tesoura francesa Vitry Freres Paris e a nacional Eberle, rementem à alfaiataria. Inúmeras fotos e recortes de jornais trazem à memória os momentos em que passamos juntos.
Mas nada é tão imenso quanto aos sentimentos que mantém Fredo e Joana vivos eternamente no coração de seus filhos e netos.

Agradecimentos: Rosana, Rogério, Regiane, Renata, Carlos Eduardo e João Paulo.