Dionyzio Cambusano
"Nyzio"

Com muitas histórias para contar, Dionyzio Cambusano é conhecido por todos como Nyzio, às vezes escrito com “i” ou com “s”. Alfaiate, corretor de imóveis, um dos melhores dançarinos da família e jogador que ocupou todas as posições – exceto o gol –, ele é um desses homens fortes e simpáticos, de conversa franca.
Nyzio nasceu em 2 de junho de 1933, uma sexta-feira de inverno, na casa em que a família Cambusano morava na rua Dr. Pompílio Mercadante nº 68. Era o quarto filho do casal João e Joanna (sem contar as crianças Arlindo e Jandira, que morreram ao nascer).
Gostava mesmo é de brincar com os irmãos, jogar bola e pescar num lago que havia onde hoje é o Parque Santo Antônio. Não podia brigar nem falar palavrão, senão dona Joanna puxava a orelha. Ainda assim, não costumava dizer palavras feias porque não tinha esse exemplo dentro de casa.

“Mamãe arrancava a gente da cama no domingo de manhã para ir à missa. Mas a gente aprendeu a jogar bilhar, e viramos malandro. A gente levantava, passava na porta da igreja e passava reto para jogar bilhar. Não todo domingo, alguns domingos a gente assistir à missa.
Naquele tempo, as ruas eram de terra, pequenas, e a gente jogava bolinha. Só duas pessoas tinham carro: era o Maria Toledo e o Biagino Chieffi, dono da Fábrica Caramuru, que na época era rico.
Na rua, só charrete. Se bem que na charrete só andava mulher de zona, porque mulher direita não andava, de medo de acharem que era de zona. Só andava mulher de zona e homens.
Carroça, cavalo... Eu mesmo, trabalhei na fazenda do Pedro Batista e ia de charrete, cavalo... Era tudo de terra. A gente sente saudade do tempo. A gente vai crescendo e vai acabando aquela brincadeira.”
Da infância, se recorda do pai, um homem muito trabalhador e reservado, que não era de muita conversa, mas era muito atencioso com a família. João Baptista fazia com que o horário das refeições fosse sagrado, reunindo todos os filhos à mesa.
“O papai foi jogador, também. Tenho uma foto dele, de quando era moço, solteiro. Mas devia ser futebol amador. Nós não chegamos a ver, porque quando a gente nasceu, ele já era de idade. Ele não ligava muito, não sei se ligava para o Corinthians, eu nunca vi ele torcer para nenhum time. Os pais de amigos nossos brigavam por causa de time, mas ele não era muito disso”, recorda-se Nyzio, em entrevista feita em outubro de 2005.

Com a mãe, aprendeu o gosto pela profissão que exerceria mais tarde, alfaiate.
“Eu ainda era moleque. Ela fazia a costura para cós, calça curta, tudo. Eu ia mexer na máquina, pegava um paninho e mexia com o paninho. Depois, quando estava no grupo escolar, eu aprendi alguma coisa com o Jair Alvarenga, ele tinha alfaiataria na praça Conde de Frontin. Mas eu só aprendi a fazer caseado, chulear, que são serviços de mão, que a gente faz na calça. Eu comecei a aprender, fiquei um mês ou dois, não lembro, ele teve que me dispensar, porque começou a aparecer fiscal na cidade, e criança com menos de 14 anos não podia trabalhar. Quer dizer, eu estava aprendendo, não estava trabalhando, e ele teve que me dispensar porque podia levar multa.”
Nyzio tinha dez anos quando viu o irmão Roberto ser convocado para embarcar para a Itália, durante a Segunda Guerra. Ele se recorda da volta de Roberto como um dia de triunfo, quando as pessoas se reuniram na praça Conde de Frontin para receber os pracinhas. Ele se lembra, ainda, do alívio do pai e da felicidade da mãe ao ver o filho soldado retornar.
Entre outras lembranças de infância que cultiva estão as caçadas e idas ao Cine Rio Branco, histórias que são contadas por ele entre risos.
“Quando a gente era criança, ia caçar passarinho lá onde hoje é o Parque Santo Antônio. Na época, era uma fazenda, e onde hoje é a Escola Tito Máximo era um lago grande. Em volta do lago, tinha uma cerca de arame farpado, para não deixar o gado entrar na água. Fomos atravessar a cerca para beber água no lago e, na hora de voltar, o arame farpado pegou o pé do Ariel [um amigo], e acabou nossa caçada. Ele estava chorando, e a gente teve que trazer ele embora, carregado.
A gente era muito simples, andava descalço naquela época, só tinha uma botininha que calçava para ir ao cinema. Quando tínhamos dez anos, ficávamos na porta do cinema, porque não tínhamos dinheiro para entrar. O Albano Máximo, dono do cinema, compadre da minha mãe, chegava com o charutão na boca e dizia para a gente ir para cima, na geral [perto da sala de projeção], porque a gente estava descalço, e o geralzão era de tábua. A gente subia umas escadas e ficava lá. Enchia de gente ali, porque pagava metade.
Naquele tempo, o cinema tinha aquelas porta de açougue, de metal, com aqueles furos no meio [houve uma reforma no cinema em 1952].
Outra coisa que eu não esqueço é a história do sorvete. Tem aquela sorveteria ao lado da Igreja do Bonsucesso, o pessoal comprava sorvete ali e ia na geral, assistir ao filme. Vai um moleque, pega um sorvete de massa e joga embaixo, nas cadeiras. Caiu na careca de um juiz! O genro do seu Albano acendeu a luz do cinema e perguntou: “quem fez isso”, e todo mundo vaiou.
Na cadeira, o pessoal fazia uma coisa engraçada. A gente sentava bem no meio, não sentava nem na frente nem atrás. Dava vontade de urinar – tinha banheiro ali do lado, mas a gente urinava no chão, mesmo. A urina ia, descia até a frente, lá no palco. A gente colocava o bingolim para cima e urinava com força, pra urina ir bem alto. Aquilo ia lá para cima, passava na frente da projeção, de onde via a imagem, e ficava aquele chuvisco no filme, aparecia a sombra no filme. Depois caía na cabeça dos outros (risos). O pessoal perguntava: “quem estava jogando água”, mas não era água nada!
Quando eu tirei diploma do 4º ano de grupo (equivalente ao 5º ano do ensino fundamental), eu comprei um terninho de brim branco e fui para o cinema com o terninho. Sentei na cadeira e coloquei o paletó no descanso de braço. Daqui a pouco, senti um negócio quente nas costas. Quando olho para trás, o Du [irmão] estava mijando em mim. Ele pensou que estava mijando no chão, mas era nas minhas costas! A sorte é que eu peguei o paletó e amarrei nas costas, senão todo mundo ia tirar com minha cara!”

Apesar das brincadeiras, era uma vida de muito trabalho. Aos 17 anos, Nyzio já tinha aprendido o ofício de alfaiate e acompanhava o pai em viagens para São Paulo, em busca de material fotográfico.
“O meu pai comprava material em São Paulo. Eu era moleque e lembro que ia com ele, de bonde. Comprava de pouco, porque não tinha condições de comprar muita coisa. Eu e papai íamos mais na rua Líbero Badaró, acho que todo mês ele ia fazer compra, comprava umas caixas de papel, filme... Sabe como a gente ia naquele tempo? Pela estrada velha, via Mogi das Cruzes. A gente pegava ônibus do lado da Igreja do Bonsucesso, um ônibus que vinha de São José, passava em Mogi, Suzano e chegava na estação do Brás. Em casa, todos aprendemos a revelar fotografia, até mesmo minha mãe e a Nina, que eram mulheres.”
Paralelo a isso, acompanhava os irmãos no futebol e tornou-se um dos responsáveis pelo título de campeão do Clube na terceira divisão do estadual em 1956.
“Comecei na carreira no juvenil. Entrei no Elvira porque a família toda era elvirista, meu pai, depois o Roberto... Os seis irmãos, todos jogaram futebol no Elvira. Quando nosso cunhado José Medeiros profissionalizou o Elvira, o Roberto não jogava mais, já era técnico. Para nós, o clube não pagava. Depois que meu cunhado começou a trazer jogador de fora, passou a pagar para nós, também. Mas [paralelo a isso] a gente trabalhava, também. Futebol, só no dia de jogo ou de treino, ninguém se dedicava só para isso, ninguém foi igual ao Pelé. A gente sempre gostou de jogar futebol, e foi bom, porque quem joga tem um corpo mais esbelto do que quem faz nada (risos).”

Não foram só alegrias que o futebol trouxe. Em uma partida contra o Taubaté, Nyzio foi atingido na cabeça por um jogador adversário e desmaiou. Quando acordou, no vestiário, percebeu que estava com grama no dente. Ainda assim, ele se recorda da história com humor, traço característico em todas as histórias que conta.
“Dos irmãos, o pior no futebol foi o Du. O apelido dele entre os amigos era Mingau, porque ele era muito mole no futebol. O melhor de todos foi o Fredo [Walfredo, o caçula], jogando atrás. Jogando no meio do campo, o Hélio. Na frente, o Mir [Waldemir, gêmeo de Fredo], que era muito pequenininho e corria muito. O Hélio, no meio de campo, escondia a bola, ninguém tirava a bola dele. O Fredo, atrás, era craque, jogava de beque. Eu era mais ou menos. Jogava em qualquer posição, só não joguei no gol.”
Profissionalmente, aos 17 anos, Nyzio aprendeu a cortar e fazer calça, paletó e outras peças de vestuário, montando, assim, sua própria alfaiataria na rua Barão de Jacareí.
“Para conseguir pagar aluguel, na época, tive que dividir com um amigo que era tintureiro. Eu ficava com minha máquina na frente, ele ficava atrás de mim. Ali eu continuei até que saí e fui para o cruzamento da rua Barão com a rua General Carneiro. Depois mudei para próximo à Siqueira Campos e, depois de lá, vim para a Pompílio Mercadante, onde aluguei parte de uma casa velha.”
Entre o trabalho, o futebol e os bailes do Elvira, onde dançava e se divertia, Nyzio se aproximou de sua primeira e única namorada e aquela que seria sua esposa, Odette Arice Cambusano. Ela era filha de Arnaldo Arice, dono de uma olaria e, em seguida, de um açougue, e Alice de Oliveira Arice, que havia trabalhado em fábrica por alguns anos, e, após o nascimento dos filhos, passou a dedicar-se ao lar e ajudar o marido nos negócios.
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“Depois de moço, a gente frequentava o baile do Elvira. Amanhecia no baile, e depois, os amigos da gente, que moravam mais longe, iam dormir na casa de mamãe”, conta Nyzio.
“A gente namorava, e desde aquela época tinha almoço de domingo, na casa da Joanna, com todo mundo. Eles tinham muitos amigos, tinha muito homem naquela casa, e todo domingo reunia todo mundo, parecia festa. Quando mulher ia almoçar lá, a gente tinha até vergonha”, completa Odette.
Em 1958, dois acontecimentos mudaram definitivamente a vida dele. O primeiro deles, muito feliz, foi o casamento com Odette. No dia 24 de maio ocorreu a cerimônia civil, e no domingo, 25, o evento religioso, na Igreja Matriz Imaculada Conceição. Em seguida, os noivos seguiram para a casa de Joanna, onde houve a comemoração, e de lá seguiram para a lua de mel em Caraguatatuba.
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O segundo acontecimento de 1958 foi a morte do velho João Baptista, às vésperas do ano novo, em 29 de dezembro. Vítima de câncer de pulmão, João já tinha passado para os filhos Du, Hélio e Mir os trabalhos no Estúdio Cambusano, e até mesmo Nyzio tivera algum aprendizado, o que permitia a ele ajudar os irmãos em reportagens fotográficas de casamentos.
No início da vida em casal, Nyzio e Odette alugaram uma casa na rua João Teodoro, no Centro, onde nasceu a filha Márcia, em 23 de fevereiro de 1960.
“O mais marcante, para mim, depois do casamento, foi a primeira filha, a Márcia”, diz Nyzio. Quando questionado: “O senhor ficou emocionado?”, respondeu: “Quem não fica?”
Depois a família se mudou para a rua José Bueno, onde nasceram os filhos Marco Antonio, em 8 de dezembro de 1962, e Flávia Adriana, em 9 de agosto de 1970.
Finalmente, em 1971, a família comprou um terreno na rua Washington Luís e construiu a casa própria.

Nyzio sempre foi muito brincalhão com as crianças. Fazia graça o tempo todo, inclusive quando saía em fotos. Um exemplo disso é a foto que tirou ao lado de um tucano – ele tinha sido apelidado com esse nome por causa do tamanho do nariz.
Gostava de reunir irmãos e sobrinhos para viagens, seja no litoral, seja na casa de familiares, e para os almoços em família, como pregava a boa tradição italiana. Nos almoços de domingo na casa de Joanna, as crianças brincavam na rua até o anoitecer – numa época em que o trânsito na rua Pompílio Mercadante se limitava a um carro ou outro.
Ajudava a mulher nos serviços domésticos e com as crianças. Quando Marco Antonio nasceu, levava a pequena Márcia para sua alfaiataria, então na rua General Carneiro. Ele tinha que trabalhar, então, organizava um espaço embaixo do balcão onde ficavam os tecidos para que a menina pudesse dormir.
Quando chegava em casa, após o serviço, assistia ao Jornal Nacional. Mas o dia não acabava por aí: ia para a cozinha e preparava ora mingau, ora pizza, e isso sempre fazia a alegria das crianças. Prepara ainda os peixes havia pescado, que era servido como um pirão ou ensopado.
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Ainda com os filhos na infância, Nyzio e os irmãos prosseguiram com o futebol, agora como veteranos. Durante a década de 1970, os jornas noticiaram vários jogos em que eles defenderam tanto o time Irmãos Cambusano quanto o Esporte Clube Elvira.
Houve jogos contra o Jacar Clube, Liberdade, São José, Rotary, Caçapavense, Cruzeiro e Ponte Preta, para citar alguns. O clima de euforia na época levou os veteranos a se reunirem para confraternizações, a promoverem partidas beneficentes e até mesmo a cobrar, da direção do Elvira, a volta da profissionalização do futebol, que já estava sendo relegada.
“Domingo dia 2 de setembro tem futebol pela manhã (9 horas) no estádio Gilberto Chaves (Ponte Preta). Vale a pena assistir esta partida, pois o E. C. Elvira tem realizado várias partidas amistosas, despertando interesse no público esportivo, pela apresentação de elementos que foram glórias no passado, atletas que foram ídolos não só no Vale do Paraíba como em todo o Estado de São Paulo, que são: Rubinho, Maurinho (o milagroso), Emiliano, Nísio, Hélio, Didi, Du, Zé Ivo (artilheiro de 1949), Tião Bertolino, Robertinho, todos campeões do Estado de 1956, e mais Onda (o goleador), Hugo e Formiga (ex-integrantes do União F. C. de Mogi das Cruzes), na 2ª divisão de profissionais; Fredo (ex-contratado pelo Noroeste F.C. da cidade de Bauru), Mir, que atuou pelo E. C. Aparecida na 1ª Divisão Extra de Profissionais; Raul (o clássico Raul agora com 48 anos de idade foi na época cognominado o Furacão do Vale) e demais atletas que vêm participando desta campanha futebolística; Marquinhos, Laércio, Ivã, Osvaldinho, Coqueiro e Getúlio.” (Jornal O Combate, ano XXIII, nº 1191, 1/9/1973).
“E. C. São José venceu a seleção de Jacareí por 2 a 0 no Estádio Antônio Jordão Mercadante. Completamente lotado o estádio observou a vitória do São José, time da 1ª divisão de jogadores profissionais, contra o Jacareí.
Na preliminar, jogaram as equipes dos Irmãos Cambusano e a do Sport Boys. Os Cambusano foram buscar no basquete os jogadores Joia e Ubiratan que reforçaram a equipe e despertaram a curiosidade e o interesse do público. Ubiratan marcou 2 tentos para o Cambusano, sendo que Beto assinalou o tento na equipe do Sport Boys.
O Cambusano alinhou com Joia, Fredo, Cobra, Nísio e Sapinho; Álvaro, Babá, Mir, Ubiratan, Hélio e Du.
Não foi fornecida a escalação do Sport Boys.” (Diário de Jacareí, ano V, nº 473, 22/5/1973).
“E.C. Elvira 3 x 1 Ponte Preta F.C., quatro gols e um futebol de primeira, apesar do estado físico e alguns com idade avançada. Houve uma batalha marcante como nos velhos tempos de pontepretanos e elviristas; bom público e as agilidades de dar inveja dor irmãos Cambusano (Mir com 2 gols, Nísio e Fredo).” (Diário de Jacareí, 7/6/1979).
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Assim como o irmão Fredo, Nyzio é são-paulino, mas chegou a torcer pelo Corinthians, time dos demais irmãos, quando ia ao estádio para assistir às partidas. Aliás, outra semelhança com o irmão Fredo era a profissão: este mantinha um pequeno atelier na rua Cônego José Bento, mas eles não chegaram a trabalhar juntos.
“O Fredo sempre foi um pouco ranzinza, qualquer coisinha ele discutia. Ele só fazia calça porque eu ensinei ele. Ensinei a fazer paletó também, mas ele não continuou porque paletó cansa, é muito serviço de mão. Calça é só na máquina, quase. Até hoje [em 2005, quando a entrevista foi feita] ele trabalha ali como calceiro e fazendo conserto, é aposentado, mas a aposentadoria é mixuruca e ele continua ali.”
Além da alfaiataria, Nyzio se arriscou no setor imobiliário. Para isso, os irmãos compraram uma casa na rua Dr. Pompílio Mercadante e construíram um sobrado, onde ele manteve o escritório.
“Eu tinha Creci [registro profissional de corretor], tinha tudo. Isso em 1978, 1979. Aliás, tinha duas imobiliárias na cidade. Foi indo, e eles venderam o sobrado e eu fui trabalhar onde era o Foto. Minha mãe era viva ainda, e eu ficava no fundo do quintal. Quando minha mãe morreu e venderam o Foto, eu fiquei trabalhando em casa.”
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Nyzio se aventurou a estudar Engenharia, na Universidade Brás Cubas, em Mogi das Cruzes, mas não concluiu o curso. Optou pela contabilidade. Em 1987, ele foi convocado a participar do júri popular no ano seguinte, junto com o irmão, Mir.
Ao longo dos anos, os irmãos foram reconhecidos como ilustres figurantes da história do Elvira. Em julho de 1990, o clube lançou uma edição especial do jornal:
“Uma família de craques
Encontrar um craque numa família não é difícil, mas seis, só mesmo entre os Cambusanos. São eles: Nísio, Mir, Du, Fredo, Hélio e Roberto, que é o mais velho e entrou para o Elvira por volta de 1935, foi treinador e diz que ‘até hoje não deixo de ser elvirista’. Apesar de ser o mais velho dos irmãos, Roberto chegou a jogar com os irmãos. Para ele, ‘ser elvirista é um ideal e uma paixão’, que leva durante muitos anos e confessa que chegou a perder ‘emprego por causa do Elvira’.
(...)
Nísio também recorda das boas lembranças do futebol. Lembra-se que comeu grama, literalmente falando, num jogo do Taubaté. Numa disputa de bola, caiu de tal maneira no chão que provou o gosto do gramado.
Os irmãos discutem até hoje sobre futebol. Entre uma partida de baralho, um cafezinho ou somente um bate-papo, preservam viva a memória da família de craques que participou do Elvira.” (Edição Especial de “O Vermelhinho”, julho/1990, páginas 17 e 19)

Pode-se afirmar que o fim do Estúdio Cambusano começou em 1987, com a morte da matriarca Joanna. A empresa ficava na parte da frente da casa onde ela morava. O acesso à casa era feito por um portão, diretamente da rua, ou por uma porta lateral do Estúdio. Dali chegava-se à sala, onde havia o acesso para um quarto e outra porta, que ia em direção ao quintal.
Da sala também era possível ir para a cozinha, onde ficava – de forma estranha, até! – a janela do primeiro quarto, e a porta do segundo aposento. Indo em direção ao quintal, havia o banheiro. O piso em preto e branco e o forro, de madeira vazada, deixaram de ser cuidadosamente limpos por Joanna desde que o estado de saúde dela ficou mais frágil.
Os irmãos, já na faixa dos 60 anos, estavam cansados e enfrentavam uma concorrência inovadora – a revelação colorida e a ampliação em uma hora. Para modernizar os negócios, seria necessário, além de disposição, um bom investimento em dinheiro.
Nesse contexto, começou a ter fim o Estúdio Cambusano.
“Faleceu na última segunda-feira, às 19h30, na Santa Casa de Misericórdia, a senhora Joanna Boff Cambusano. Dona Joanna era viúva do fotógrafo João Baptista Cambusano e foi vítima de acidente vascular cerebral na última sexta-feira.
Matriarca de uma numerosa família bastante conhecida em Jacareí, dona Joanna completou 90 anos no dia 26 de setembro. Deixa os filhos Roberto, Adelina (Nina), João (Du), Hélio, Dionísio, Waldemir e Alfredo, 26 netos e 13 bisnetos.” (Diário de Jacareí, ano XIX, nº 3586, 26/11/1987, capa).
Nyzio guarda muitas lembranças dos pais e da casa onde viveu e trabalhou. Foi o lugar onde eles receberam os amigos e reuniram a família nos tradicionais almoços de domingo.
“Quando morreu minha mãe, eles continuaram com o Foto. Mas o prédio era de todos os irmãos. Eles ganhavam o dinheirinho deles lá, mas não pagavam aluguel para os irmãos. Eu nunca liguei porque tinha meu serviço. O Roberto, depois que aposentou, trabalhou lá um pouco até sair a Reforma, pelo Exército. Foi aí que o Roberto conversou com o Mir, querendo que vendesse o prédio. O Mir e o Du pediram aposentadoria, e vendemos o prédio depois. O Hélio já tinha aposentado, por causa do problema da perna.
Ali os amigos se reuniam, e depois que vendemos acabou esse ponto de encontro. Inclusive, o ponto de encontro nosso era no Foto e no jardim, em frente ao cinema, na praça Conde de Frontin, onde tinha uma árvore. Com a reforma que a Prefeitura fez [em 2004], eles retiraram essa árvore, que ficava bem em frente ao Elvira. Essa árvore foi plantada pelo Tales, quando era moleque. Depois de 50 anos, já era bem grossa e precisava de duas pessoas para abraçar a árvore. Tiraram todas as árvores grandes, só deixaram duas e plantaram umas palmeirinhas. Para que tanta palmeira? Por que não deixar umas árvores de folha, para dar sombra, ou de frutos?”

O fim do Estúdio aconteceu em 21 de agosto de 1993, e vários artigos foram publicados sobre aquela data, entre eles, um de autoria do historiador Benedicto Sérgio Lencioni:
“Neste ano Jacareí perdeu o seu mais antigo e tradicional ‘stúdio’ fotográfico, fundado em 1926. Foram 67 anos de trabalho e documentação diária de rostos, famílias, festas e acontecimentos os mais variados que marcaram a vida individual e coletiva de uma cidade.
O fechamento do ‘Studio Cambusano’ é desses males sem conserto, uma agressão à história e cultua. O tempo tem se encarregado de destruir (...)
Ao acabar o ‘studio’, acabou-se também uma parte significativa de nossa história registrada em retratos (...).
Agora resta apenas a lembrança de uma época. As velhas máquinas fotográficas guardadas como relíquia da família, milhares de fotos guardadas ou perdidas, pelos seus donos, os negativos que sumiram. (...)
Transeuntes anônimos passaram pela rua do Carmo e sequer olharam. Nenhuma reportagem foi feita. Nenhuma foto foi batida.
Nenhuma foto. Nenhuma.” (Diário de Jacareí, ano XXV, nº 4913, 21/08/1993)
O ciclo da vida continuou. Em 1998 Nyzio tornou-se avô de João Pedro, filho de Flávia e seu único neto.
No entanto, quis o destino que Nyzio testemunhasse a morte de todos os irmãos – Du, Hélio, Fredo, Mir, Nina e Roberto – e da esposa, Odette.
Vítima de leucemia senil, doença que atinge pessoas idosas, ela descansou num domingo, 22 de janeiro de 2017, em um momento de festa: naquele dia, a família toda estava reunida no Piazza Hotel para comemorar os 90 anos da cunhada de Nyzio, Cida, viúva de Roberto.
O reencontro do casal, ou o reencontro de Nyzio com os irmãos, aconteceu somente em 25 de setembro de 2023, data em que ele nos deixou após convalescer por, aproximadamente, 20 anos, vítima de Alzheimer.
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Agradecimentos: Márcia, Marco Antonio e Flávia.