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Waldemir Cambuzano

"Mir"

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Muitos adjetivos poderiam qualificar Waldemir Cambuzano, mas para isso seria necessário um livro completo. Artista plástico, fotógrafo, retocador, jogador de futebol, músico, compositor, pai, marido e Mir, como ficou conhecido esse boêmio.

Waldemir nasceu num domingo, 4 de outubro de 1936, na casa em que a família morava na rua Dr. Pompílio Mercadante nº 68. Era gêmeo bivitelino de Walfredo, o “Fredo”, e apesar das diferenças físicas compartilhavam semelhanças na força de trabalho, no “z” do sobrenome e, em especial, no futebol.

A infância foi simples. A pequena casa em que moravam não tinha quarto, e as crianças dormiam sobre colchões no chão da sala. A porta da rua era uma madeira escorada por uma cadeira. Na cozinha havia um fogão a lenha – com madeira cortada pela própria Joanna –, geladeira, pia e mesa. Pela janela, as crianças observaram o pai trabalhar com encadernação e com aquilo que seria o principal ofício de Mir no futuro: a fotografia.

Ainda pequenos, os gêmeos começaram a trabalhar vendendo verduras que a mãe cultivava no grande quintal.

 

“Ela era uma mulher forte e educou os filhos com rigor. Aos 12 anos, eu e o Fredo vendíamos verduras. No quintal tinha uns 30 metros quadrados só de plantação que ela cultivava: alface, couve, chicória, cebolinha, salsa, cebola; tinha também banana, jambo, limão e outras árvores.

Todo dia tínhamos que regar a horta. Ele colhia e punha numa cesta. Aí, nós saíamos vendendo. Eu tinha vergonha, porque às vezes o povo xingava. Mas normalmente a gente vendia quase tudo e, quando sobrava alguma coisa, comíamos na volta.

Ela era uma mulher supertrabalhadora, rachava lenha para acender fogão e fazia questão do fogão à lenha. Quando demos a ela um fogão a gás, ele deu uma bronca em nós.

Nos sábados, papai ia fazer compras no mercado e levava a gente junto. Trazíamos o peso nas mãos, sempre a pé. Ele nunca foi capaz de levantar a mão para dar um tapa em qualquer um dos filhos, nunca xingou ninguém em casa.

Eles começaram a passar necessidade quando houve uma mudança na administração da Escola Profissional, onde papai trabalhava de encadernador. A escola era tocada por padres e, com o fim do Colégio de Padres, o local passou a ser Escola Agrícola, e papai ficou sem trabalho. Para ajudá-lo, mamãe foi trabalhar na lavoura. Algumas pessoas iam com ela, eles tinham que atravessar o rio numa canoa”, recorda-se Mir, em entrevista feita em abril de 2006.

Mir, Joanna e Fredo

A vida do casal ficou difícil sobremaneira em 1944, quando o primogênito Roberto foi enviado para a Itália integrando a FEB (Força Expedicionária Brasileira).

 

“A única vez que eu lembro de ver papai chorar foi quando chegou a notícia de que o Roberto tinha morrido na Guerra. Ele chorou. Eu era pequeno, e morávamos na casa número 68 da Pompílio Mercadante. Era uma casa velha de chão de tijolo, que minha mãe lavava com água e sabão.

Quando o Roberto chegou da Guerra – a notícia não era verdadeira – a praça estava em festa. Os trens da Central do Brasil chegaram, e o povo carregava os pracinhas nas costas. Eu estava brincando com uma roda de ferro, e o povo entrou em casa com o Roberto. Mamãe fez almoço para todos, e o Roberto distribuiu cigarros americanos, um relógio de bolso para papai, uma luvinha de criança, além da (arma) Mauzer alemã. Mas, coitado, perdeu tudo isso no baralho.”

 

Logo cedo, os filhos começaram a trabalhar para ajudar nas despesas da casa. Quando voltou da Itália, Roberto foi empregado pela Escola Profissional. Nina trabalhava na Fábrica de Meias Visetti. O filho mais velho, Du, aprendia com o pai a arte da fotografia, consolidando, assim, a criação do Estúdio Cambusano.

Na década de 1950, o Estúdio já era referência em fotografia profissional em Jacareí. Retratos, álbuns de casamento, batizado e festas, coberturas políticas, artísticas e até mesmo funerárias eram feitas pelo João Baptista e seus filhos.

Um evento famoso na época, a Festa da Carpição, realizado onde atualmente é o Jardim Califórnia, era registrada nas lentes do Cambusano. Para isso, ele e os filhos tinham que ir até o bairro, às vezes em charrete, carregando tripé, câmara, chassi e chapa. Mir acompanhava aquilo com interesse e observava o trabalho do pai.

 

“Papai me ensinou a retocar fotos. Antes disso, mamãe colocou o Fredo e eu para trabalhar na Fábrica de Fogos Caramuru, onde ficamos durante um ano e largamos o serviço. Então, para não ficarmos vagabundando em casa, mamãe colocou-nos para trabalhar com o pai. Ele me ensinou a retocar os negativos, e eu trabalhei 42 anos com isso. Tudo o que eu conquistei na vida consegui com o trabalho no Foto.

Quando mudamos para a casa mais perto da rodoviária, começamos a acumular serviço. O Hélio trabalhava na Caramuru numa época que tinha muitos acidentes. O que mamãe fez: tirou ele de lá e colocou ele para estudar e revelar negativo.”

João Cambusano e flhos

Em dia de Festa do Divino, dona Joanna preparava a mesa para receber a imagem, e os festeiros eram recepcionados pela família com muita alegria, o sanfoneiro cantava, e depois todos se sentavam para comer.

Aquele clima eufórico despertava em Mir admiração e curiosidade e se tornou semente para a formação daquilo que se ele tornaria dali a alguns anos. Além disso, Mir observava um artesão que fazia umas galinhas, com argila, para vender no Mercado, e tentava recriar aquelas imagens.

 

“Eu passei a infância toda brincando, jogando bola de gude, essas coisas. Ali próximo de onde eu morava tinha uma valeta, que hoje está canalizada embaixo da rua Tiradentes, onde tinha muita argila. Acho que o dom nasceu naquela época. Eu tirava argila da valeta e fazia um potinho ou uma chaleira. Perto dali morava um senhor, José, que fazia umas galinhas para vender no mercado. Eu entrava na oficina dele, esperando ele fazer as esculturas, e ia aprendendo um pouquinho.”

 

Aos nove anos, Mir era coroinha na Igreja Matriz e tinha muita afinidade com os padres Ramon Ortiz e Cunha. Depois passou a ser coroinha na Igreja Bonsucesso e conheceu os padres Geraldo Magela e José Maria.

 

“Meus pais eram católicos. Eles tinham o costume de tirar todas as crianças da cama para ir à missa às 7h. Apesar disso, não me lembro de ter ido a uma missa com meu pai e minha mãe.

Tenho uma passagem engraçada para contar: eu ajudava a reza na Igreja Matriz, com roupa de coroinha, e quem celebrava a reza era o padre Ramon. Na igreja tem a custódia, e um dia o padre me chamou e disse: ‘coroinha, vai na sacristia e traz a custódia’. Eu fui até lá e busquei o Custódio, um sacristão. O padre zangou comigo: ‘Eu falei a custódia, não o Custódio!’

Mas não era só. O sacristão nos ensinava a tirar os moedões de quatrocentão de dentro da cesta de ofertas; às vezes, subíamos nas escadarias onde tem o órgão, no forro. Eu já cheguei a atravessar a Matriz por cima do forro, ia lá no fundo escrever o nome na parede. Mas tinha um coroinha mais louco ainda: ele ia em cima da igreja, na cruz, para abraçá-la.”

 

Esse envolvimento religioso fez com que Mir escolhesse estudar no Seminário Diocesano de Taubaté – diferentemente dos irmãos, que haviam parado os estudos nos anos iniciais do ensino infantil. Mas, depois de matriculado, Mir mudou de ideia.

 

“Não quis ficar lá porque eu era diferente, queria jogar bola, ir ao cinema... No seminário você levanta cedo, vai à missa, toma café, faz oração, vai para as aulas e fica até 11h, almoça, agradece o almoço, joga um futebol com os padres, reza a noite e vai dormir às nove horas.

A vida que eu tinha antes daquilo era bem diferente. Comecei a gritar para que alguém fosse me buscar, eu queria liberdade. Então, minha mãe e a dona Natália Máximo foram me buscar.”

Mir, com a mão sobre o cachorro, e irmãos

Não bastasse isso, as inocentes “peladas” com os irmãos e os amigos levariam Mir para um semiprofissionalismo no futebol, que não prosperou devido a duas fraturas sucessivas no tornozelo.

 

“Um dos responsáveis por todos nós sermos atletas foi o Du. Ele era esportista e montou uma barra de ferro para que fizéssemos exercícios. Ele queria que fôssemos esportistas como ele, chegou até a comprar uma luva de boxe.

À medida que a gente foi crescendo, começamos a jogar futebol num campinho onde hoje é a Telefônica (na rua Senador Joaquim Miguel). Ali era da família do Tito Máximo, pai do Leônidas, o Onda, amigo nosso. A cidade tinha vários timinhos, e o nosso chamava Estrela do Carmo, Estrelinha.

Eu já era moço e jogava futebol no juvenil do Elvira, até que surgiu o Estrelinha. Os primeiros a entrar no futebol foram o Hélio e o Nyzio, aí eles foram para o amador do Elvira. Depois fomos nós para o juvenil. Chegamos a jogar os seis irmãos juntos nos clubes amadores da cidade.

Isso era muito legal, todo mundo gostava. Mas essa história não foi exclusiva nossa, em São José tinha os irmãos Friggi, que eram uns seis ou sete.

No futebol a gente não brigava; ao contrário, nos divertíamos. Cada um tomou um rumo nessa história: o Du e o Nyzio foram para o amador; o Fredo, o Hélio e eu fomos jogar no profissional. Em 1956, levamos o Elvira para o vice-campeonato no Estado de São Paulo, na terceira divisão de profissionais.

Uma vez, jogamos em Tanabi, uma cidade longe para caramba. Lá perdemos e aqui ganhamos, tinha que ter a decisão num campo neutro. Mendonça Falcão, um político que tinha contato com o pessoal de Tanabi, tinha que decidir e escolheu Araraquara. Para nós era difícil, porque naquela época ameaçavam os jogadores. O Fredo foi ameaçado por um cara armado, apedrejavam a gente... Bom, aí, o Zé Medeiros, que era presidente do Elvira, decidiu não levar o time, ele preferiu ficar com o vice e deixar o Tanabi campeão por uma partida que não existiu.”

Irmãos Cambusano no futebol

Com tanto conhecimento que adquiria ao longo dos anos, Mir definitivamente não optaria por aquela rotina pacata do seminário. Foi assim que, ao longo da década de 1950, ele passou a se dedicar aos trabalhos no Estúdio Cambusano, ao futebol com os irmãos no Esporte Clube Elvira e às premiadas composições musicais que produziria.

Mas também foi naquele final da década de 1950 que uma notícia triste se abateria sobre todos: em 29 de dezembro de 1958, o velho João Baptista morreu, vítima de um câncer que lhe atingira os pulmões.

 

“Meu pai era um homem muito calmo, bom, humilde, simples e tratava todo mundo com doçura, mesmo que tomasse uma bebidinha todo dia. Ele costumava beber rabo de galo, que é pinga com Cinzano. Ele fumava um cigarro grosso chamado Fulgor. Fazia questão de que todo mundo almoçasse junto, o que na verdade era comum em todas as famílias, e cada um tinha seu lugar na mesa. Aliás, cada um tinha seu pedaço de frango, um gostava do peito, outro da coxa, outro da asa... Eu gosto da sobrecoxa.

O final da vida dele foi só sofrimento, porque ele estava com câncer de pulmão. A gente tinha que correr de madrugada para receitar remédio e aplicar morfina. Um amigo de família, o seu Álvaro, não media esforço para ajudar papai, era ele quem buscava tubo de oxigênio e ajudava todo mundo em casa.

No enterro do papai, estava quase a população inteira de Jacareí. Ele era muito estimado na cidade e tinha feito muitas amizades. O velório dele aconteceu no Estúdio, e o corpo foi enterrado no Cemitério do Avareí.”

Mir e João Cambusano

Era uma época em que se costumava velar o corpo na própria casa. Ironicamente, muitos esquifes passaram pelo Estúdio Cambusano, pois, antes do sepultamento, o cortejo parava por ali para a última foto do defunto com a família, hábito que os vizinhos costumavam estranhar, mas muito comum num momento em que as câmeras fotográficas eram raras.

Alguns fotógrafos itinerantes passaram pela cidade, sem dúvida. Mas a maioria das fotografias de Jacareí da década de 1920 a 1950 foi feita por João Baptista. Por isso, ele foi considerado o fotógrafo pioneiro da cidade. Muitas dessas imagens chegaram a ser comercializadas pela Fundação Cultural de Jacarehy como postais históricos da cidade, e nelas há o crédito para o Estúdio Cambusano.

Apesar do abalo com a morte de João Baptista, os irmãos decidiram prosseguir nos negócios, em especial Du, Hélio e Mir, que se revezavam na administração do Estúdio.

 

“Eu atendia, tirava foto, retocava, ia ao banco pagar duplicatas, impostos... Chegou um ponto que eu não aguentava mais, e trouxe para trabalhar conosco o Fernando Cornélio. Ele retocava, tirava fotos e fazia reportagens. Depois dele, contratei o Jeferson, filho de um primo que veio morar com a gente, o Zito.”

 

Paralelamente às atividades no Estúdio, Mir dava os primeiros passos em sua carreira musical. No dia 6 de fevereiro de 1959, a Continental gravou a marcha carnavalesca “Sereia”, de sua composição. Naquele mesmo ano, ele compôs o bolero “Amor da minha vida”, que foi gravada em 1963 pelo mesmo selo.

 

“Esse bolero foi encomendado na época por um amigo. No ano seguinte, fiz uma versão para a música ‘Diane’, de Ray Charles, chamada ‘Céu Azul’, sem me preocupar com tradução, e foi gravada pelo cantor José Domingos e pela orquestra de Élcio Alvarez.

Eu era amigo de J. Domingos, que na época trabalhava na Continental, em São Paulo, e ele me indicou. Naquele tempo essas coisas eram mais fáceis. Hoje é quase impossível vender uma composição para as gravadoras de lá.” (entrevista para Folha de Jacareí, ano I, nº 57, 6 jan. 1996, capa).

Reprodução LP single Céu Azul - retirado da internet

Além disso, entre 1961 e 1967, Mir se aventurou em outra atividade: inaugurou o “Bar do Esporte”.

 

“No período da manhã eu ficava no Foto, e do meio-dia até a madrugada revezava com o Nysio no bar. O Zito também trabalhava lá. Ele arrumou casamento e quatro filhos, e um deles, o Jeferson, foi o que eu coloquei para trabalhar durante uns dez anos.”

 

Como se não bastassem essas atividades, Mir contribuía com artigos e crônicas para os jornais:

 

1. Um mártir desconhecido

 

“Tão grande é o mundo assim como tão grande é o número de humanos que sucumbem por falta de apoio moral ou espiritual de um seu semelhante. Raro são os que praticam uma caridade, sem que se tenha por fim um interesse particular.

Mas eu conheci um homem cuja vida de sacrifício em prol de outrem o tornou um verdadeiro santo, para os que o conheceram. Era um modesto pastor protestante, fiel e dedicado para com seus adeptos. Seu nome era ‘Chiquinho Leite’.”

 

Mir narra os feitos do pastor, que ia às cadeias ensinar o evangelho a quem estivesse disposto a ouvi-lo, até que, um dia, saindo do Carandiru (SP), foi atropelado e morreu.

 

“Quem sabe a força do mal fez com que a fatalidade ceifasse esta preciosa vida dedicada às causas mais sublimes de uma maneira trágica como também muitos mártires. Mas eu creio que Deus, que sempre esteve ao seu lado, o levou para junto de si, a fim de colocá-lo no reino dos céus, onde o bom velhinho pastor pudesse descansar em paz, após uma vida cheia de labutas e sofrimentos, cumprindo o determinado pela Sagrada Escritura: ‘Combate o bom combate, acabei a carreira e guardei a fé’.” (Jacareí Jornal, ano II, s/nº, 10 jan. 1964, p. 3).

 

2. O Maltrapilho

 

“Numa triste e chuvosa noite de segunda-feira defronte a um bar da praça central assisti a uma dessas cenas deprimentes, porém muito comum em nossa cidade.

Alguém, maltrapilho e bêbado, era atirado à rua, caindo quase que desfalecido junto a uma poça d’água na sarjeta. Eu o conhecia por intermédio de amigos. Sabia que na sua mocidade havia sido gente de bens, de boa família, figura de elite e era de admirar que tivesse decaído a tal ponto. Chama-se Nelson. Pedi ajuda a alguns amigos e o colocamos em um banco do jardim.

Na sequência, Nelson conta que se apaixonou e, por ter sido trocado por outro, se viu reduzido a essa vida de miséria.

Há uns oito meses corria a notícia de que o cadáver de um Nelson havia sido retirado do rio Paraíba junto à cabeceira da ponte. Corri para ver, e lá estava ele, corpo quase nu, inerte sobre a areia da praia, com os mesmos olhos serenos de sempre, a barba um tanto crescida (...)”. (Jacareí Jornal, ano III, nº 59, 7 fev. 1965, p.3)

 

3. Túnel do diabo

 

“Aqui em Jacareí, próximo ao quadrado da Light, existe nas entradas de um barranco um extenso buraco que vem terminar cá, onde situava a antiga igrejinha de Nossa Senhora do Carmo.

Contam os antigos que a escavação fora feita na época da escravatura e servia como senzala. Ali muitos pereceram e deixaram soterrados muitos objetos de adorno que na era atual é de grande valor histórico.

Conta uma anciã que na época da revolução de 1932 muitos soldados paulistas ali se entrincheiraram, e muitos deles nunca mais saíram. Conta até que o lugar tornara-se assombrado, e que na calada das noites frias e sem lua ouvem-se vozes e estampidos.

Um dia um amigo tentou penetrar no túnel; caminhou uns 20 metros adentro, mas devido ao grande perigo e ao calor extasiante que o atordoara, regressou e contou-me tudo o que vira (...): uma grande porteira de ferro, que na certa seriam as grades que cercavam um vasto salão em cujas paredes um tanto desmoronadas podia-se observar algumas escritas que ele não conseguira decifrar.

No chão quase encoberto pelo limbo e o bolor uns pedaços de correntes prendia alguns restos ósseos quase desfeitos pelo tempo.

Isto e mais algumas coisas contam a respeito do que eu chamo de ‘túnel do diabo’ (...).” (Jacareí Jornal, ano III, nº 60, 21 fev. 1965, p. 4).

 

Os artigos prosseguem pela década de 1960, que pareceu promissora para Mir, especialmente na vida amorosa: em 22 de setembro de 1966, ele se casou com Marly Magalhães, filha do maquinista da Central do Brasil, Delcídio Guedes Magalhães, e de dona Maria José Estefani.

Marly e Mir

O casamento aconteceu na Igreja Imaculada Conceição, e a recepção foi preparada por dona Maria José, na casa em que morava na rua Bernardino de Campos – na ocasião, o Sr. Delcídio já havia falecido.

O casal foi encontrar no Litoral Norte o tempo para a lua de mel. No retorno, alugaram uma casa na rua Francisco Teodoro, que mais tarde foi comprada por eles e se tornou a única moradia em que habitaram ao longo da vida.

 

Marly conta a história do namoro:

 

“Namoramos quase sete anos. Eu conheci o Mir na casa de uma senhora que tinha um salão de corte e costura. Eu tinha saído do ginásio, não queria estudar mais, e minha mãe disse que eu tinha que fazer alguma coisa. Fui à dona Cida, que era em frente ao Foto, tinha uma janela grande, eu ficava observando ele pela janela.

Depois ele foi estudar na Escola Antônio Afonso, e eu dava um jeito de passar por ali e ficar olhando para ele. Antigamente, a gente ficava na praça da Igreja Bonsucesso, os rapazes ficavam enfileirados, as meninas ficavam andando, enquanto o rádio do cinema tocava. Eu ficava ali, com minhas amigas, andando de mãos dadas.

Teve um baile de Carnaval no Elvira no qual a gente começou a conversar até marcarmos um encontro. Depois disso, começamos a nos encontrar na praça. O Mir era boêmio, mas nunca foi de namorar sério. Ele gostava de baile, e como eu sempre gostei de dançar, acompanhava ele.

Quando eu saía da loja que trabalhava, Casa Michel, um armarinho onde se vendia tecidos, calçados e outras coisas assim, eu encontrava o Mir e vinha embora com ele. Depois ia para a escola. Com 15 anos, comecei a namorar.

A dona Joanna nos tratava muito bem, com muito carinho. Quando eu casei com o Mir e comecei a frequentar a casa dela, os meninos eram grandes, todos casados. Não cheguei a conhecer uma Joanna severa, mas ela soube educar os filhos com muita rigidez... Mesmo com 19 anos, os meninos tomavam tapa na orelha. Ela ficava com fio de ferro atrás da porta e, quando eles chegavam quietinhos para não a acordar, ela já estava esperando!”

 

De certa forma, a vida se tornara próspera para o casal. Em setembro de 1966, Mir foi sorteado em um consórcio da Agenco e teve a oportunidade de dirigir um carro Gordini II zero quilômetro. No ano seguinte, no dia 19 de agosto, nasceu seu primeiro filho, André Cambuzano, que se tornaria artista como o pai e conhecido como Briuza.

O casal frequentava bailes no Elvira e no Ponte Preta. Marly gostava de dançar, e Mir preferia apreciar a orquestra, se envolver com a musicalidade e conhecer os músicos. Quando estudava Contabilidade na Escola Antônio Afonso, no final da aula, Mir e os amigos iam para a praça onde ficavam a madrugada conversando sobre música.

Marly e Mir

No campo artístico, foi naquele ano de 1973 que Mir teve uma música classificada para o IV Fempo (Festival de Música Popular) de Jacareí, “Gaiato sem vez”. Em seguida, Mir foi reconhecido como o responsável pela restauração de fotos catalogadas por Luiz José Médici que deram origem à exposição “Jacareí antiga”, em comemoração ao aniversário da cidade em 1978.

Nesse intervalo, houve tempo para o nascimento de Daniela Cambuzano, em 22 de novembro de 1976. Ela foi a terceira filha do casal – a segunda criança morreu dois dias após o nascimento.

No futebol, em um clássico contra o Ponte Preta, o time de veteranos marcou três gols, sendo dois feitos por Mir, um por Nyzio e um por Fredo. “Futebol de primeira, apesar do estado físico e alguns com idade avançada. Houve uma batalha marcante como nos velhos tempos de pontepretanos e elviristas”, narrou o Diário de Jacareí (7 jun. 1979).

No mês de aniversário de 60 anos do Clube Elvira, Mir e os irmãos foram homenageados pela imprensa com a publicação de referências à conquista de 1956. “O Jacareiense” lembrou que Mir havia sido contratado, após passagem pelo Elvira, pelo Esporte Clube de Aparecida; “O Vermelhinho” publicou foto da equipe de futebol que conquistou o título de vice-campeã do estado, todos eles “prata da casa”.

 

“Algumas pessoas comentam que o Hélio foi o melhor jogador entre os irmãos. Ele era armador meio de campo, driblava muito e brincava com a bola. Por outro lado, outros consideram o Fredo, porque ele foi campeão pelo São José e recebeu proposta do Noroeste de Bauru, da primeira divisão.

Eu era considerado um cara muito rápido porque corria muito. Eu tenho meus fãs! Meu apelido no campo era Buscapé, porque eu fazia ala com um baixinho chamado Serelepe. Em 1958, fui levado pelo presidente do Esporte Clube Aparecida, Vicente Penido, dono da Pássaro Marron, para jogar no Aparecida. Naquele ano, fomos vice-campeões do Estado.

Mas eu fui um jogador infeliz porque sofri três fraturas no tornozelo direito – eu era ponta direita e não pude dar continuidade na carreira. O último compromisso que tive foi no Aparecida, eu dei um chute no chão e meu tornozelo doeu, passei por vários médicos, inclusive Amílcar Giffoni [médico da Seleção]. Ele cuidou do meu pé, mas eu tive que parar de jogar. Motivo: contusões no ligamento.

Mesmo assim eu era teimoso: o doutor Amílcar colocou gesso e pediu três meses de repouso. Na segunda semana, tirei o gesso e fui jogar bola. Arrebentei meu tornozelo e aí não pude jogar mais nada. Só voltei a jogar depois de seis anos.”

 

O afastamento dos campos representou a aproximação às artes. Autodidata e com base na observação de outros artistas e amigos, o pintor Orlando “Cavalo” e o professor José Carlos Cruz, Mir tomou gosto pelas diferentes técnicas artísticas: argila, pedra sabão, massa plástica e chapa de cobre.

Teve obras premiadas e reconhecidas não só em Jacareí, mas no Vale e nas peças exportadas. A de maior valor, Dom Quixote, feita em chapa de cobre e massa plástica, ganhou medalha de ouro em exposições de Jacareí e Lorena e recebeu proposta de compra, recusada por Mir, que se apegou à escultura.

Mir e seu Dom Quixote

Mir foi o responsável pela restauração da Estátua dos Expedicionários, que está exposta na Praça Conde de Frontin, e pela construção da imagem de São Francisco de Assis que enfeita os jardins do hospital de mesmo nome, em Jacareí.

Outra referência que a história precisa registrar com relação a Mir é a preservação do marco zero de Jacareí na praça Conde de Frontin. Quando o então prefeito Marco Aurélio deu início à restauração da praça e uma ampla mudança viária, Mir procurou os engenheiros responsáveis pela obra para que eles preservassem o marco zero, localizado ali na praça. O profissional duvidou do cidadão, num primeiro momento, mas alguns dias mais tarde telefonou para Mir e disse que, durante as escavações, haviam achado o marco zero no local apontado por ele.

No campo musical, Mir ganhou, em 1981, o 1º lugar em um festival com a composição “Viagem”. No ano seguinte, “Intrigas” ficou em 2º lugar. Ele compôs sambas-enredos em 1984, um para a Escola Mocidade, com o título “Brasil terra do samba”, e outro para a Unidos do Álcool, o “Tributo ao rei da valsa”, este em parceria com J. Domingos e em homenagem ao artista José Maria de Abreu.

 

“Em 1981, depois que já tinha gravado em São Paulo várias músicas na Continental, tive minha primeira participação no Fempo. Um bolero que eu compus foi tocado pela Orquestra Chiquinho da TV e interpretado por J. Domingos. No ano seguinte, essa música foi regravada no Chile durante uma excursão que o cantor fez por lá com a orquestra do maestro Pablo Herrera.

Gravei uma marcha carnavalesca chamada ‘Sereia’ que foi muito tocada no carnaval. Aí paramos de viajar para São Paulo e passei a fazer música para festivais.

Resolvi fazer música sertaneja e depois de quatro anos seguidos peguei o primeiro lugar nas composições e quase ganhei um troféu na cabeça [risos], porque achavam que eu estava comprando os jurados. Foi a música ‘No meu sertão’, interpretada por Hélio Alves, que chegou a concorrer no Festival Estadual.

Depois disso, passei a fazer samba-enredo e tenho uns três ou quatro sambas que ganharam primeiro lugar aqui em Jacareí. Com a música ‘Obrigado sertão’ ganhei o primeiro lugar em Jacareí, em São José do Barreiro e outras cidades como Águas de São Pedro e Santa Isabel.

Por conta da confusão no Fempo, fiz um frevo chamado ‘Procurando você’ e a inscrevi no Fempinho, não no meu nome, mas no nome do André. Infelizmente não fui classificado. Naquele ano, o Festival tinha cinco jurados de São José e apenas um de Jacareí, e São José foi vencedora.

Eu também escrevi o hino do Elvira, do qual sou sócio benemérito.”

 

Mir conseguiu outras vitórias com suas músicas, como “Caboclina Sertaneja”, que ficou em segundo lugar no Festival de Música Sertaneja de 1985, e “Obrigado sertão” e “Regresso”, vitoriosas no festival do ano seguinte. Além disso, organizou, em parceria com o radialista e amigo Gilberto Vasconcelos, o Festival de Seresta de 1985, com participação dos jurados Benedito Miragaia, J. Domingos, Moacir Felinto, Telê Rodrigues, Nenê (baterista), Chagas e Silva e Helenice Rachid.

 

“Mir Cambuzano e a dupla Kaju e Kajueiro foram os grandes vencedores do 4º Festival de Música Sertaneja de Jacareí, realizado no último final de semana, no Parque dos Eucaliptos. As músicas ‘Obrigado Sertão’ e ‘Regresso’ foram consideradas as duas melhores (1º e 2º lugares) do festival e deram à dupla o troféu de melhores intérpretes. Foram 35 músicas apresentadas na 6ª feira e no sábado. Na grande final de domingo cerca de três mil pessoas cantaram as músicas premiadas. O festival foi uma iniciativa da Secretaria de Educação, Cultura e Turismo de Jacareí” (Diário de Jacareí, ano XVII, nº 3248, 3 jul. 1986, capa).

 

O Festival de Seresta foi aclamado pela imprensa. Gozando de bom relacionamento com os jornalistas, Mir era frequentemente mencionado nas reportagens e pautava matérias publicadas nas capas dos principais jornais.

 

“Vem aí o II Festival José Maria de Abreu

Esperando obter o mesmo sucesso do ano passado, Mir Cambuzano, um dos organizadores, já está tratando com muito carinho da produção do II Festival de Seresta José Maria de Abreu, que será realizado nos dias 18, 19 e 21 de agosto” (Diário de Jacareí, ano XVIII, nº 3273, 8 ago. 1986, capa).

 

“Vem aí o Festival de Seresta José Maria de Abreu

Mir Cambuzano e Gilberto Vasconcelos já estão cuidando dos últimos preparativos para a realização do II Festival de Seresta José Maria de Abreu, esperando obter do mesmo sucesso do ano passado, uma vez que os organizadores já receberam grande número de inscrições dos quais foram selecionados 30 candidatos” (Novo Vale, ano I, nº 2, 13 a 20 set. 1986).

Mir e Gilberto Vasconcelos

Mesmo com tantas atribuições, Mir se dedicava ao Estúdio e às reportagens (como eram chamadas as coberturas fotográficas de casamentos e eventos), além de suas esculturas. No mesmo ano em que organizava o festival de seresta, Mir realizava uma exposição de esculturas na Casa do Artista em Jacareí, incluindo sua querida “Dom Quixote”.

Paralelamente, incentivou os filhos a desenvolverem atividades: André aprendia música e praticava esportes, tais como futebol e tae-kwon-do, e Daniela iniciava o curso de dança e, mais tarde, pintura. O número de atividades a que a família se propunha diariamente levaria o casal Mir e Marly a entrar num consenso: a prioridade eram os shows, exposições, eventos e apresentações. Toda noite era noite de tomar um conhaque, encontrar os amigos e participar de alguma seresta ou algo assim. Essa foi a fórmula encontrada por Marly para garantir o sucesso do casamento.

Inclusive as crianças: aos cinco anos, Daniela desfilava nas alegorias de escolas de samba em Jacareí. A concentração acontecia em casa, com todo o grupo de amigos que iria desfilar na avenida, uma festa. Certa ocasião, a esposa Marly foi convidada a desfilar numa das alas da Escola Unidos do Álcool, ao lado da filha.

Entre composições e pinceladas, Mir entraria num ritmo frenético naquele início de 1987, com duas de suas músicas, “Picadura de mosquito” e “Namoro de outrora”, classificadas para o concurso de músicas carnavalescas, e a realização de uma seresta em homenagem ao músico Nino Piovesan.

No entanto, esses dias de euforia eram sufocados pelo estado de saúde de dona Joanna, que inspirava cuidados. Preocupados com a situação, os filhos revezavam nos cuidados que ela exigia, e a cada semana dona Joanna ficava hospedada na casa de um deles, apesar de ela mesma não gostar muito daquela situação.

 

“Ela não gostava de ficar na casa dos filhos. Dizia que não queria ir para a casa de ninguém, ela queria ficar lá na casinha dela. No final da vida, ela ficou um mês na casa de cada um. Teve também a Dita Preta [amiga da família], que se prontificou a ficar um tempo com ela.

Mamãe saiu para o hospital lá da casa do Hélio. Mas ela não parava, não conseguia ficar sentada: ela lavava louça, se tivesse roupa ela lavava, passava café... Eu dizia para a Marly, ‘é melhor deixar porque ela está acostumada e assim vive’.”

 

Em 23 de novembro de 1987, Joanna morreu na Santa Casa de Jacareí, fato que desencadearia o fim das atividades do Estúdio Cambusano. A casa onde ela morava era a mesma onde funcionava a empresa, e se para alguns filhos era necessário dividir a herança, para outros, as lembranças deixadas pelos pais entristecia a rotina de trabalho.

 

“Ela morreu em 1987, e nós funcionamos até 1993. A gente fez o velório dentro de casa, porque ela queria assim. Depois disso nenhum de nós teve preocupação de estar dentro da casa. Uma lâmpada vermelha que ela tinha acessa no quarto, parecia uma santa, permaneceu por muito tempo acessa.”

 

Mir só voltaria a produzir e a ser notícia na imprensa quatro anos após a morte da mãe. Mas isso não significa que ele deixou de trabalhar ou produzir suas músicas e artes.

 

“O conhecidíssimo fotógrafo de Jacareí, Mir Cambuzano, passou a fazer parte de uma elite de bons compositores musicais. Em parceria com Hélio Alves, está fazendo parte do LP de raízes sertanejas que será lançado no dia 25 de outubro em São Paulo, na Secretaria de Cultura do Estado, após um coquetel.

Após a realização do IV Festival Regional da Música Sertaneja, onde participaram sucintas composições, dez delas foram escolhidas para integrarem o LP, sendo que uma delas é a de Mir e Hélio.

Com a participação na interpretação da música do Trio Som Maiúsculo, a música venceu o VI Festival de Música Sertaneja de Jacareí. Com o nome de ‘Meu sertão’, a música premiada passou a percorrer alguns festivais como Festival de Lorena, onde tirou o primeiro lugar. Passando a representar o Vale do Paraíba e Litoral Norte, Mir e Hélio venceram com ‘Meu sertão’ a semifinal da cidade de Embu, partindo para a final no Círculo da Polícia Militar de São Paulo, onde classificaram a composição entre as dez melhores que integrarão o CD” (Gazeta de Jacareí, ano I, nº 4, 23 a 31 out. 1991).

 

A dedicação às artes foi intensificada após a morte da mãe e a aposentadoria dos irmãos Hélio e Du, assim como a sua. Somado a isso, a chegada de novos estúdios fotográficos, que contavam com a tecnologia da revelação – a qual os irmãos não detinham – exigiria muitos investimentos para que o Estúdio se mantivesse em funcionamento.

A decisão de fechar a empresa foi difícil, porém, necessária. A idade já os impedia de prosseguir com o trabalho, e nenhum dos filhos deles mostrou intenção de assumir os negócios. Foi assim que em 21 de agosto de 1993 o Estúdio foi fechado.

 

“Neste ano Jacareí perdeu o seu mais antigo e tradicional estúdio fotográfico, fundado em 1926. Foram 67 anos de trabalho e documentação diária de rostos, famílias, festas e acontecimentos os mais variados que marcaram a vida individual e coletiva de uma cidade.

O fechamento do Estúdio é desses males sem conserto, uma agressão à história e cultua.

Ao acabar o estúdio, acabou-se também uma parte significativa de nossa história registrada em retratos (...)”, escreveu o historiador Benedicto Sérgio Lencioni, no artigo “Memória: o fim do Estúdio Cambusano (Diário de Jacareí, ano XXV, nº 4913, 21 ago. 1993).

 

A agressão à história e cultura registrada por BSL não se comparou, de fato, à tristeza profunda que se abateu sobre os irmãos ao verem derrubadas as paredes do prédio que abrigou a família e o Estúdio por décadas.

Autorretrato

“Com o tempo, o Hélio aposentou e não quis trabalhar mais. O Fernando Maguila passou a trabalhar com a gente até que nos aposentamos. Estava muito difícil trabalhar, e decidimos encerrar o Estúdio.

Eu fiquei muito triste. Quando a gente fechou pela última vez a porta de aço, e o pessoal começou a destruir o cenário, eu fiquei abalado, aqueles martelos quebrando tudo, o pessoal tirando os vidros... Trabalhei a vida toda ali e ver aquilo me deixou muito triste.

Uma lembrança que eu tenho do Estúdio é da época que vinha circo para a cidade. Eles queriam distribuir fotos no circo, então vinham de charrete de aluguel e tiravam várias fotografias para depois vender no circo.”

 

Durante os anos em que trabalhou no Estúdio, Mir se especializou em retocar imagens, técnica que, atualmente, com a fotografia digital, parece simples, mas na época exigia precisão e conhecimento. O trabalho era feito com lápis de ponta fina diretamente sobre o negativo, pintando as partes claras.

 

“Acho que era por isso que o povo gostava do Estúdio, tudo era feito com muito capricho. Essa herança, foi o velho Cambusano quem deixou para nós.”

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Com o término do Estúdio, a filha Daniela sentiu que o pai não teria mais condições de ampará-la com as despesas relacionadas à dança – viagens, inscrições, figurinos. Foi assim que o fim de uma empresa representou o início de outra. “Eu queria empreender, ser como ele. Sempre gostei de moda, sempre li muito e fiquei antenada. Fui buscar meu primeiro emprego numa loja multimarcas, e ele sempre apoiando. Foi então que resolvi abrir uma loja, estava vendo um ponto em São José dos Campos, e ele perguntou: ‘Filha, o que você quer fazer em São José? Você é de Jacareí, sua família é de Jacareí, você conhece muita gente aqui e vai querer ser mais uma em São José? Aqui você pode fazer o seu melhor.’ E ele estava corretíssimo”, recorda-se Daniela.

Assim, ela iniciou sua loja na rua Corneteiro de Jesus, e teve no pai o melhor marqueteiro. No final da tarde, Mir passava por ali para dizer um oi e tomar um cappuccino.

Mir preenchia suas madrugadas em claro se dedicando às esculturas e pinturas. Muitas viajaram o estado em exposições que demonstraram, para além de Jacareí, os talentos deste artista. Uma delas foi inspirada no personagem Moisés, do filme “Os dez mandamentos”, de 1956, interpretado pelo ator Charlton Heston. Anos mais tarde, a obra viria a ser comprada pela sobrinha Maria Cristina, que presenteou o marido Juares com a imagem de um dos filmes favoritos dele.

Outra pintura foi dedicada ao cantor Ney Matogrosso:

 

“Eu pintei um quadro do Ney a partir de uma foto que eu tinha dele dançando, durante um show. Quando ele veio a Jacareí, em 1977, eu entreguei o quadro. Há mais ou menos seis meses eu estava em uma padaria quando um adolescente me perguntou se eu era o Mir Cambuzano. Eu respondi que sim, e ele disse que tinha estado no escritório do Ney, no Rio de Janeiro, e tinha visto um quadro do cantor com minha assinatura.”

 

Enquanto Mir se dedicava às artes, sua esposa Marly se ocupava com a venda de pães e bolos. Apesar de ambos terem nascidos em famílias católicas, Mir não era de frequentar missa, e Marly passou a conversar com a sobrinha Fernanda sobre o Salão do Reino das Testemunhas de Jeová. O interesse pelo segmento levou Marly a conhecer a unidade jacareiense do Salão em 1992, e ela nunca mais deixou de ir às reuniões. Com o tempo, convidou a concunhada Marilene, que também passou a seguir a religião.

Em casa, nos campos ou entre amigos, Mir foi sempre um sujeito brincalhão. Gostava de deixar o ambiente alegre, fazer rir as pessoas com suas piadas e histórias, criar apelidos.

Mas o riso se calou em 1º de novembro de 2013. Mir foi acometido por um tumor maligno no intestino, e passou alguns dias internado no Hospital do Servidor, em São Paulo, onde passou por uma cirurgia. Mesmo assim, não resistiu.

Como foi dito no início, muitos adjetivos poderiam qualificar Waldemir Cambuzano. Mas o que melhor descreve ele é um cidadão completo. Ele deixou para a cidade muito mais do que saudades e não somente registrou a história de Jacareí ao longo dos anos em que fotografou os principais momentos da cidade: ele se envolveu com ela, a abraçou e viveu, intensamente, cada minuto de sua existência neste solo que tanto amou.

Festa na casa de Mir

Agradecimentos: Marly e Daniela

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