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Roberto Cambusano

Nascido em Itu (SP) em 25 de abril de 1920, Roberto Cambusano é o primogênito do casal Joanna e João. A mudança para Jacareí aconteceu em 1921, quando Roberto tinha apenas um ano de idade.

 

Ainda moleque, ele tinha alguns passatempos: um deles, bem comum a todos os meninos, era jogar futebol na rua e nos campinhos. Outro não era tão comum assim: ele pegava tampinhas de graxa, lavava, colocava um pouquinho de arroz e feijão, ia no fundo do quintal, fazia uma fogueirinha e cozinhava. Mas não comia, e sim jogava fora.

 

Esses passatempos viriam a se consolidar no futuro: eterno elvirista e churrasqueiro de mão cheia, Roberto tornou-se um homem de personalidade forte, cheio de vida e, assim como os irmãos, provocativo.

Roberto Cambusano criança

Ele saiu de casa aos 17 anos, assim que conseguiu a carteira profissional, como era chamada a carteira de trabalho. Arriscou um emprego em São Paulo, mas três meses depois voltou para Jacareí, pois estava prestes a completar 18 anos e a servir o Exército.

 

Roberto foi 2º tenente, reformado após a participação do Brasil na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Em entrevista feita no dia 8 de outubro de 2005, Roberto contou:

 

“Eu estava passando pela praça Conde Frontin, e estava tendo um comício. Eu fiquei encostado ali, onde hoje tem o prédio da Schiamarella, e pensei: ‘quem é que vai pagar isso aí?’. Não deu outra: saiu a convocação, e o primeiro nome convocado era eu!

Eu fui. Eu sabia fazer amizade, como sei fazer até hoje. Aí eu fui para o Exército. Cheguei lá, o pessoal estava passando para lá, para cá, e chegou um soldado e perguntou: ‘quem é o Roberto Cambusano’. Eu respondi, e o soldado pediu para eu subir, pois queriam falar comigo, mas ele disse que não tinha problema.

Quando entrei no escritório, o tenente (eu nem sabia que era tenente) me perguntou se eu era de Jacareí e jogava no Elvira. Eu disse que sim, e ele pediu para eu fazer uma relação com o nome de todos os jogadores que eram de Jacareí e montar um time. E estávamos todos lá, era quase uma companhia só. Eu, o José D’Ávila, todo mundo que jogava no Elvira.”

 

Muitos jacareienses foram mandados para Caçapava, onde se formava o grupamento que iria ser enviado para a Itália, e o futebol se tornou o passatempo de muitos daqueles soldados. Ao organizar o time, Roberto “ganhou cartaz” no Exército, ou seja, passou a ser respeitado e conhecido.

 

“A gente organizou um campeonato, e fomos campeões. Com isso, eu consegui certa regalia com os homens, vinha para Jacareí, nos bailes... Eu chegava no sargento ou no cabo, pedia para eles me dispensarem no final de semana, e eles me diziam que segunda-feira cedo era para eu estar de volta. Eu peguei cartaz com os oficiais, com a turma toda. Eu respeitava o regulamento, era muito rígido... Mas eles conversavam comigo, como a gente está conversando agora. Passou o tempo, e eu continuei com as mesmas regalias. Eu não perdi um baile aqui em Jacareí. Aí eu conheci alguém aqui que começou a atrapalhar a minha vida.”

 

Atrapalhar é ironia. Mulherengo, Roberto conhecia, na verdade, a mulher que mudaria sua vida e se tornaria a futura esposa: Maria Aparecida Ribeiro Cambusano, a Cida, filha do jornalista Hygino Ribeiro de Carvalho e de Elsira Toledo Ribeiro.

O namoro acontecia ali na praça, em frente à sede social do Elvira: como num desfile, as mulheres passavam no meio da praça, e os homens ficavam de lado.

 

Ainda apaixonado, Roberto deixou Cida em Jacareí e embarcou com o 1º Escalão em um navio no Rio de Janeiro, rumo à Itália.

 

“A gente não sabia de nada. ‘Para onde vamos?’, a gente perguntava. Eu botava fogo na turma, queria saber o que estava acontecendo. No Rio, a gente ficou três ou quatro meses. Uma madrugada a gente embarcou com dois sacos nas costas. Alguém perguntava ‘o que a gente vai fazer’, e eu respondia, ‘sei lá’.

Subimos no navio e fomos embora – o 1º Escalão. A gente não podia saber nada, sabia que falavam em Guerra. Fomos em navios americanos. Viajamos por 15 dias, fomos escoltados por dois destroyers, um de cada lado, um cruzador na frente e outro atrás. Se alguma coisa vinha em nossa direção, os dois destroyers saíam do nosso lado e atacavam.

No café vinha ovo cozido, maçã, café e mais não sei o que lá. Vinha também salsichão. Todo dia tinha ovo cozido e maçã. Eu engordei uns quatro quilos no navio. Durante a viagem, a gente soube que ia para Nápoles. Não houve reação nenhuma, a gente não tinha medo. Fui um dos primeiros homens a descer na Itália, dia 16 de junho.

Daqui de Jacareí, foram 115, 116 homens. Dois debandaram. Uma coisa que a gente fica orgulhoso é de ter levado o nome do Brasil. Quando eu estava lá, um italiano me falou que tinha um parente no Brasil, em Buenos Aires. Eu respondi que Buenos Aires não era no Brasil, e ele me disse que era mais ou menos perto. Por Deus do céu! Eles nem sabiam que tinha o Brasil. Sabe por que o alemão tinha medo de brasileiro? Ele tinha o brasileiro como selvagem, comedor de carne.

Ninguém conhecia o Brasil. Quando a gente fazia prisioneiro alemão, ele começava a conversar com a gente, improvisava uma língua lá e enturmava. Se eles soubessem que brasileiro era daquele jeito, vinham tudo morar no Brasil.

Eu fui do 6º Regimento de Infantaria e era morteiro. A Companhia tinha três pelotões, com 13 homens cada um. Cada pelotão tinha uma peça de morteiro e uma de metralhadora. O morteiro era aquele que solta bomba, a pior arma do Exército. Eu carregava também uma arma individual.

Não tive nenhum ferimento. A única coisa que aconteceu foi que peguei uma gripe desgraçada e fiquei uns três dias numa casa abandonada. Perto dali estava funcionando um barzinho, onde a gente tomava um aperitivo de vez em quando, e naquele dia caiu uma bomba lá e matou dois ou três companheiros nossos.

A gente tinha uma mochila na qual levava comida, mas passava uma sede desgraçada. Eles davam uma caixinha que vinha açúcar, café solúvel, quatro bolachas e água. Esse era o café que a gente tinha. Agora, o almoço, quando você estava avançando, a gente levava três latas de alumínio e três de café, que era para três dias...

Quando a gente estava parado, que afinava o campo, um olhando para cara do outro, era assim: o comando nosso ficava numa casa abandonada atrás de nós, nunca na frente. Dali vinha comida que era distribuída na linha de frente, era quando a gente comia comida quente. Mas quando a gente estava avançando, era obrigado a comer aquilo lá. Eu fazia uma fogueirinha e esquentava, os outros não.

No inverno, paralisou. Ninguém dava tiro, e de vez em quando a gente via uma bomba para lá, outra para cá. A gente pegou neve lá, ficamos um mês sem tomar banho. Depois de um mês eu falei para o Zé, ‘vamos dar um jeito, vamos tomar um banho’. Pegamos uma lata de 20 litros, enchemos d’água, esquentamos e tomamos banho com aquela água quente.

Sei lá, tinha hora que dava vontade de correr. Da minha Companhia, morreram quatro ou cinco. A Infantaria ia e ficava. A metralhadora ficava na frente, e o morteiro ficava uns 5 metros atrás. Tinha o olheiro, que ficava com o binóculo. Se ele visse um movimento, ele pedia fogo da artilharia, que vinha atrás de nós.

Quando ele pedia fogo da artilharia, passava bomba por cima de nós, fazendo aquele barulho por cima de nossa cabeça. E quando o inimigo atirava, acontecia a mesma coisa: passava por cima de nós, não tinha perigo de pegar a gente porque ia cair lá embaixo.

A gente montava acampamento, fazia a cobertura e ficava por ali. O olheiro ficava observando e pedia para jogar granada ou uma bomba. Quando alguém jogava, ele dizia: ‘mais para esquerda, mas para direita’.

A época mais difícil da Guerra foi procurar o inimigo, logo no início. Você andava o dia todo, tomava posição e ficava por ali. Dormia, acordava, levantava acampamento e continuava marchando até encontrar. Quando o olheiro via movimento, a gente mandava bomba. Mas os coitados dos alemães já estavam na beira da morte, estavam dando graças a Deus pelo fim da Guerra.

Quando acabou a Guerra, foi uma alegria tremenda. Terminou no dia 6, para nós, mas o Hitler se suicidou no dia 8. As Companhias estavam divididas em três cidades. Eu, o José D’Ávila e o Mosquito recebemos um prêmio. Nós éramos ‘peixinhos’ do tenente da Companhia. Como não tinha mais Guerra, pedimos para ele um carro para dar uma volta. A gente pegou o Jeep, e fomos para o Norte da Itália, em Milano, Gênova, Veneza... Tiramos fotografia, eu tinha uma máquina alemã, que troquei por um par de botas... Eu tinha um cartaz desgraçado com o tenente e conseguia tudo!

Embarcamos no navio e, quando chegamos no Rio de Janeiro, estava o povo esperando. Saímos marchando do navio, e o povo invadiu tudo, querendo abraçar todo mundo.

Saímos de lá no dia 2 ou 3 de junho, demoramos uns 15 dias para voltar. Voltamos no navio do Exército. Eu conhecia todos os tenentes. Lá mesmo nos despedimos, voltamos para o quartel, para descansar. O pessoal foi dormir, mas fui para a cidade passear.

No quartel, tinha uns dez gaúchos, uns três mato-grossenses, e o resto era tudo paulista. Enquanto a gente aguardava dispensa, ficamos andando pela cidade. Foi uns dois dias. Eu comprei uma mala grande para colocar as roupas, minhas coisas. Noutro dia de manhã eu acordei cedinho para pegar o rápido (trem). Pegamos o trem na estação Dom Pedro, na cidade, e descemos aqui. Fui recebido com muita alegria em casa, encheu de gente, foi uma confusão.”

 

De volta para casa, a convivência com os irmãos durou pouco, pois em 1947 Roberto se casaria com Cida. Por isso, os irmãos tinham vagas lembranças, mas se recordavam que, às vezes, durante a noite, Roberto acordava tendo pesadelos com a Guerra, versão que não foi confirmada por ele.

Após o casamento, a vida seguiu o curso natural. Roberto e Cida tiveram dois filhos, Roseny e Roberto Filho, e o pai voltou a trabalhar.

 

Ele foi funcionário público por 30 anos na Escola Profissional de Jacareí, mais tarde Escola Agrícola, atual Etec.

 

“Eu entrei lá para trabalhar na cozinha, fiquei seis dias e não gostei. Aí eu não voltei. Eles foram atrás de mim, e eu disse que eu era meio grosso e não gostei daquela função, então me deixaram escolher o que eu queria fazer. Eu trabalhei na agricultura, na piscicultura... Eu criava tudo, lá. Aí, passei a inspetor de alunos, fiquei tomando conta de alunos e me aposentei com 29 anos de serviço.”

 

 Roberto só não levou adiante a carreira no futebol. Ele jogou pelo Elvira, foi diretor e treinador de uma escolinha para crianças, mas um problema na cartilagem do fêmur o afastou dos campos.

 

“Naquele tempo não tinha títulos. Tinha o campeonato da região. O presidente era meu cunhado, o Zé Medeiros, que levava o Elvira para lá e para cá. O time ia entrar no profissionalismo, mas eu briguei com meu cunhado porque ele queria trazer jogadores de fora e pagá-los. Como assim trazer jogador de fora? Nós jogamos e chegamos à 3ª divisão, mas ele era contra continuar aquilo e não levou para o jogo seguinte, porque queria gente de fora. Não pudemos passar para as próximas fases por isso.”

 

O Elvira estava no coração, assim como o Corinthians, time pelo qual torcia. Reunia os amigos para assistir aos jogos e gostava de cozinhar para eles. Cozinhava, também, para ajudar nos trabalhos da Equipe de Nossa Senhora, nas reuniões de funcionários, nas festas de família.

 

“Fui aprendendo a fazer comida, fazia alguma coisa em casa, reinava, fazendo uma coisa ou outra. Depois fui trabalhar no Cursilho, aprendia com o cozinheiro lá. Um dia, o cozinheiro saiu para organizar o aniversário da filha, e eu fiquei sozinho. E eu aprendi e fui caprichando cada vez mais.

Quando eu aprendi, continuei fazendo aquilo sozinho. Não, sozinho não, eu e mais 13. Mas eram ajudantes, porque dois na cozinha não dá certo! Fui pegando gosto pela coisa, trabalhei na equipe de Nossa Senhora, fazia almoço na escola e até hoje eu faço coisas diferentes. Vou para cozinha e invento o prato. Ontem mesmo eu fiz uma dobradinha à moda do porto, comemos ontem e hoje. Mas eu não vou oferecer para vocês porque já acabou!”

Assim como acabou a dobradinha, acabaram as piadas, o humor e o jeitão bruto, mas amável, de Roberto.

 

“O fim da gente é isso aí, não tem volta. Eu tenho um problema muito sério, que é o seguinte: eu já fiz muitas coisas na vida, e agora não posso fazer nada. Eu fui caçador, pescador, jogador de futebol, fui bailarino de nunca perder um baile. Fiz tudo. E agora eu levo bronca, e não posso fazer mais nada. Dá uma tristeza na gente... Só vivo reclamando, mas é por causa disso aí.”

 

Roberto morreu em 28 de agosto de 2013, aos 93 anos, mas deixou a lembrança de uma vida vivida com intensidade e uma memória daquela Jacareí antiga, pacata e serena.

 

“Antigamente, o povo era mais pacífico, a amizade era maior. Todo mundo conhecia todo mundo, bom dia, boa tarde. Todos se cumprimentavam. Hoje em dia, passa um do meu lado com cara feia. E eu ainda cumprimento todo mundo, é um vício que eu tenho. Naquele tempo era gostoso, você conhecia todo mundo.”

 

Entre outras homenagens, recebeu título de cidadania jacareiense, e uma das ruas do Jardim Central Park foi batizada “Rua Expedicionário Roberto Cambusano”.

 

Saudades, Roberto!

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